quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

SORRIA:VOCÊ ESTÁ SENDO DESALMADO


Só as fotos são felizes. Mas isso pode soar muito pessimista. Então é melhor dizer melhor: só nas fotos mora a felicidade. E se alguém perceber um sorriso feito especialmente para as fotos, que seja desconsiderado. Aquele que sorri sem sorrir, quer congelar a felicidade, quer esquecer que depois do flash luminoso, só nos álbuns restará imortalizado o êxtase do sorriso que não era um sorriso. As fotos não são o que mostram, não são o que parecem, não são o que parecem. Assim como todo o resto.

Nelas tudo é riso, dos talheres que reluzem ao pedaço de carne cheio de dentes. As viagens foram perfeitas. Os encontros foram apoteóticos. A crise dos casais não habita as fotos. Não interessa se ela dorme sem sentir-se desejada. Não importa em que vasta quantidade a palavra “insuportável” habitou os pensamentos daquele outro no tal encontro "nobre" e de gentes "interessantes". Não importa o quanto ele trabalha e não dá a mínima para os filhos. Não importa que esteja se fodendo para o altruísmo. Não importa que esteja se fodendo pro próprio egoísmo. Não importa se o diferente existe ou se é possível tragá-lo. Nada nas fotos importa porque nelas existe uma morte por asfixia.

Teve aquele show inesquecível que não se pode ver nada além de cabeças e uma voz que partia de um risco do tamanho de uma formiga, e como sorriu a foto. Não importa quanto álcool teve de ser engolido para que a foto saísse feliz. A tia gorda e mal comida também ri na foto e, olhando bem, até parece contente de verdade. As formaturas, as viradas de ano, os casamentos, o black tie: tudo sorri alegre no vão das fotos. Os moribundos fazem pose, os mortos também. Lembro de Incidente em Antares. E o riso da foto não sabe em que bolso esconder a melancolia quando a foto acaba. E todos esses sorrisos e essas cores são uma lança no corpo daqueles que não sorriem, então? Os sorrisos escondem um déspota, um torturador desprovido de comoção diante do não-sorriso alheio. E os choramingos roucos, onde estão? E o pesar da dúvida sobre os ombros, onde está? E a morte, em que distantes caminhos passa flertando a vida?

Não quero esses sorrisos enlatados porque não quero ser pela metade. Quero o luto do dia-a-dia que me pertence. Vivo da micro-morte de não ser mais o que fui quando acordei. Quero namorar a melancolia e dela tirar uns filhotes. No meu álbum, tragédia e comédia fazem um 69 sem fim, em um eterno estado anterior ao gozo. Estou sempre prestes-a, um prestes que não pode ser capturado pela rapidez da máquina fotográfica. O vir-a-ser tem o privilégio de desprezar a palavra “é”. Esse é o “quando” do Vinícius de Moraes quando disse: “meu tempo é quando”. O quando é também rei do meu tempo, sábio Vinícius. A vida é pobre quando é rica de sorrisos. Vou dar uma risada brilhante dessas diante do espelho e me fotografar com os olhos. Só pra ver se sou tão feliz quanto os felizes das fotos.

3 comentários:

  1. Eu tbm pra ver se sou tão feliz também.
    adorei o post de baixo, e ri muito, imaginando sua cara, a da sua namorada te pegando, vc dando explicação, sendo preso, a especulação dos vizinhos rsss, sua imaginação é fertil rsss graças a Deus, mas ri muito aqui lendo.
    bjos.

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  2. ..pode ser que eu já tenha sorrido apenas no momento da a fotografia - aprendemos a posar - mas o que vejo, e muito, são pessoas carrancudas viajando com parentes ou pessoas que não gostam muito (vi isso em BC) e na hora da foto abrem um sorriso largo, aí a foto não sai - pq a pessoa atrás da máquina nao conseguiu apertar o botão, pronto, a fotografada já amarrou o sorriso nao sei onde, e, na nova pose... olha, o sorriso arregaçado de novo.. é incrível tua sensibilidade nestes textos, parabéns mais uma vez. Ah, e o post "notas sobre uma perereca sem pêlos" foi divertido pra caralho - desculpe o trocadilho - rsss. abç. Borba

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  3. puxaaaaa vida, tava pensando nisso esses dias, vendo as fotos no orkut de uma família q passou por atendimento...tudo tão perfeito...felicidade, amor, respeito, cena perfeita que só existe nos poucos segundos que antecedem o flash...depois volta-se a vida real...
    vc traduziu perfeitamente o que pensei naquele dia...

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