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A comunicação é a condição do homem. Habermas disse isso. Mas eu nunca li nenhuma linha de Habermas. Não importa. Intuição serve pra isso: intuir o que o pensamento faz no pensamento de cada pensador, como atua, como se move, como respira, como chega no pensamento do pensador, sua historicidade, suas razões ocultas, suas fraturas expostas, o jeito como entrega as entrelinhas da sua genealogia a partir do estilo que adota ou do jeito com que se expressa, falando ou escrevendo. Os pensadores que não podemos ver em vídeo têm esse charme em relação aos contemporâneos que podemos ver no youtube.
Warat nos alertou sobre o abandono do corpo e os excessos da razão como chave mestra das linguagens. Ele sabia da necessidade da comunicação dos corpos como fiel de uma balança enguiçada e domesticada para ser capenga. A comunicação dos corpos é constituída de silêncio. O não-dito é a palavra da linguagem sensível. AO idioma dos corpos vence a peste da incompreensão e de sua mãe: a ignorância. A ignorância do dito é a ingenuidade do silêncio. É preciso voltar a ser ingênuo para traduzir a comunicação do silêncio. É preciso abandonar o inteligível da comunicação para assumir e para ascender à expressão do toque, à hermenêutica que faz mediação entre os arrepios, à cadência do ar dentro dos corpos, ao cheiro - notadamente ao cheiro, esse filme que passa dentro do nariz da gente.
Os regulamentos sobre os relacionamentos ainda carregam a dose dupla (como um uísque vagabundo, dose dupla, sem gelo, que se toma estilo martelinho...) de uma esperança herdada pelo vício à metafísica. A construção histórica da metafísica é só uma projeção do desejo de poder. Uma ilusão que mora em andares mais elevados em relação ao andar térreo que o homem vive. Estar no térreo é o mandamento magistral do grande condomínio da vida. Os regulamentos são o novo ópio de um povo que não percebe o medo que sente. O medo é a fundação profunda do arranha céus do metafísico desejo-pela-regra, ou, a vontade de regrar.
É a partir de tolices metafísicas apoiadas nesse terreno lamacento, que os relacionamentos regulamentados determinam os cultos de anestesia como a institucionalização do afeto, a inflexibilidade do desejo, a possessão em relação ao outro e o que chamo de ritual do final de semana. Sábado é a possibilidade dionisíaca dos conserva-dores do amor. O sábado é o paraíso deles antes do pecado original. Aliás, todos os pecados do corpo só se justificam porque o paraíso do sábado será restabelecido com um jantar e um sexo burocrático. A libido dos conservadores do amor concentra-se na ilusão de domínio do porvir. E eles chegam, em casos de patologia extremada, a matar em nome dessa causa adolescente.
É porque eles têm aversão ao presenteísmo. Ignoram o instante. Ignoram o ar que os mantém. Ignoram o entorno que os observa porque se pensam como Senhores das lentes do Mundo. O medo é tão necessário aos projetos como o alpiste para os canários de gaiola. O homem é uma corda esticada entre o medo e os projetos (devo esta imagem à Nietzsche). Sobre os pássaros de gaiola o que lembro é que meu pai tinha um quando eu era guri. Era um canário belga amarelo, que cantava feliz dentro de uma gaiola com pedaços de fruta e de alface pendurados com um prendedor de roupas. O bem-estar de quem não é livre é um dos grandes mistérios da vida. A pulsão pelo conforto - tendência a privilegiar lugares comuns em detrimento de terrenos selvagens - é uma recriação existencial do útero materno que arrazoa preambularmente (e apenas preambularmente) o bem estar dos escravos não conscientes de sua escravidão, como os pássaros de gaiola, os peixes de aquário e os homens que idolatram os regulamentos e a institucionalização de invisibilidades para dar explicações ao medo que funciona como um pai rigoroso. No fundo, os regulamentos são a gaiola que mantém os homens cantando, ingenuamente. Essa felicidade servil dos escravos do conforto é a lona circense em que se desenvolveu o pensamento ocidental. O bem-estar escravo é a premissa de tudo que se escreveu e se pensou, como asserção ou como crítica.
Em Nietzsche, as marteladas à metafísica e o construto do super-homem me parecem cavalos de força que, amarrados à um cabo de aço, galopam em direções contrárias. A transvaloração dos valores não seria, porventura, um céu imanente? E as montanhas como a morada dileta de Zaratustra não seria, porventura, o afastamento da imanência? E o quê importa essa pergunta à quem não pode perguntar porque, no fundo, morre de medo das respostas que o conforto evita? Perguntas de uma terça-feira anestesiada aos conservadores do amor que assassinaram a liberdade com o deslize de uma faca afiada na garganta hemorrágica.
É preciso ser fiel à terra numa terça-feira depois que o relógio passa das 23 horas. Pra isso, além de amor, é preciso liberdade. Para Osho os relacionamentos são uma grande ave que voa e que se sustenta por duas asas, uma é o amor e a outra é a liberdade. Estou de acordo com essa transvaloração de Osho. Um preâmbulo que fabricará ainda muitos solitudinários. Terça-feira de noite é o dia do culto à liberdade. E nada que se escreva poderá dizer, porque o devir é o mistério eterno, a cereja do bolo, a graça de uma piada ainda não contada. O devir é o grande assalto que a mentira fez ao Banco da verdade e as suas promessas de investimento rentável. A terça-feira, depois das 23h, faz parte da sombra sincera que os velhos ascéticos consideram como subversão. São velhos dançando esquisito numa festa eletrônica. Até logo! Eu vou me embrenhar na terça-feira embriagada, enquanto o mundo espera o sábado - seja pra ir ao culto na igreja, seja pra transar com a esposa.
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