ativo, caminho pelas ruas de mim mesmo com um
passo cansativo. Demandas lá de fora, fazem com que eu extravie o GPS aqui de dentro.
Há uma saudade de só ficar sendo, de só estar ali, de só ser o que se pode ser,
de se resignar sem qualquer culpa. Tenho trabalhado, metido o martelo na pedra
dura – e faço por amor à fadiga. Canso o corpo pra não ter que enfrentar o
espírito. Tem horas que a vida mete um espelho microscópico na frente da gente.
Aí podemos ver tudo que é podre, impuro, minúsculo, feito de nada...toda a
pequeneza que significa tudo que a gente ACHA que é. Uma coisa tipo: a
humildade comendo o cú da arrogância, do ego. Peguei um filhote de gato pra
morar aqui comigo. O bicho não durou nem 3 dias. Miava o tempo todo. As
formigas dominaram o pote de comida dele. Cagava no tapete de um modo superior,
arrogante e ingênuo, vencendo o cabresto de cagar SEMPRE no mesmo lugar. Mas
merda de gato novo FEDE. E aí tem que por sapólio. E esfregar COM DEDICAÇÃO um
pano que eu acabo sempre jogando fora, afinal, ninguém merece a desgraça de ter
que LAVAR um pano cheio de MERDA DE GATO. Ele foi desmamado muito cedo. Os
gatos também têm complexo de Édipo e querem ficar mamando nas tentas da gata
mãe a vida inteira, sem ter que pagar imposto, aprender a cagar na caixa de
areia ou ter que acordar cedo pra ir trabalhar. Mas, pelo menos por um período,
todos têm o direito de ficar ali, existindo só pra chupar nas tetas de quem nos
pariu. E foi isso que aconteceu com o gato que veio morar comigo. Ele não pôde
sequer chupar o tempo nas tetas o temo que a vida nos legitima pra ficar só
chupando as tetas. A vida foi cruel com esse gato. E entender porque esse gato
veio parar no meio da minha sala é uma coisa, sobretudo, imbecil. Imbecil
porque entender não passa de um interesse. De uma resposta ao desejo de saber.
Entender sempre está divorciado de ter sensações. E são as sensações, terrenas,
carnais, femininas, umedecidas de suor e vida, que valem a pena. Um corpo nunca
será um corpo à toa. Ou será que os corpos nascem em série como a frieza de uma
linha de montagem¿.
Ele era um gato carente. E porque era carente, ele MIAVA.
Por exemplo, ele fazia - MIAU, e depois de 3 segundos, fazia -MIAU de novo, e depois de outros 3 segundos,
MIAVA DE NOVO. No primeiro dia achei legal. Segurava ele no colo com carinho e
dei ele dormia, para felizmente para o MIADO I-N-C-E-S-S-A-N-T-E. Mas depois
veio a segunda-feira. E com ela a CORRERIA desta vida filha de uma puta (daquelas
bem vagabundas e caras). Vieram os
bancos, os sistemas que não funcionam, a vida dentro de um carro, a vida dentro
de uma casa, a vida dentro do mundo abaixo do céu com este mar andando pra lá e pra cá sem ter
consciência de nada, as chuvas alagando a vida de quem mora perto da chuva, o
caos, o redemoinho, Bob Dylan quase morto, Warat morto. Com tudo isso, chorei.
E foi bom porque depois que a gente chora é um momento-túmulo. Uma coisa é a
choradeira do velório. Outra é a do túmulo. Velar é quando ainda não é possível
se conformar com a perda. Não existe nenhum charme num velório. O choro
charmoso é o do túmulo e, mais ainda, do caminho até o túmulo. Aquele cortejo
fúnebre indo, lento, com uma garoa que domina o barulho do choro.
Hoje eu chorei e tenho essa sensação de caminhar num cortejo
fúnebre. Segurando a alça do caixão que tem o meu próprio corpo. Talvez seja
bom. É uma sensação de estar morto, estando vivo. E não existe nenhuma razão
pra eu não me tirar tanto do defunto quando do eu que carrega o caixão, pra ver
a coisa toda como um terceiro personagem espectador.
O que você fez com o Esquizo?
ResponderExcluir