quinta-feira, 18 de abril de 2013

o bloco dos napoleões








A experiência de aprender passa pelo caminho da humildade. A humildade é a condição de possibilidade para que o ego ajoelhe-se diante daquilo que não sabe. Mas esse não costuma ser um movimento de triunfo cotidiano do ego. Fernando Pessoa diz que o espelho desgraçou a raça humana porque fez com que o homem não precisasse mais se ajoelhar nas margens dos rios para ver sua imagem refletida. Ajoelhar-se é perceber que, mesmo que tudo se saiba, ainda assim, muito pouco se saberá. 

Sempre desconfiei de quem não consegue dizer que não sabe. Assim como desconfio de quem diz: "EU SEI". A vida tem me ensinado a elogiar o silêncio. E também a admirar os que ensinam em silêncio. Ver em silêncio um aleijado que passa na rua, ver em silêncio como o poder vai se tornando o combustível da vida que acontece ao nosso redor, ver em silêncio o universo dos olhos de alguém, depois que a gente é capaz de ter amado alguém. Não se pode ensinar sem que antes se compreenda a alteridade até suas últimas consequências beneficentes, curativas e poéticas. Mas entender que o charme do mistério é nunca ser revelado, também é um atributo de quem quer aprender. Isso torna o ensinar um horizonte impossível, que só serve para nos fazer caminhar, como disse o Eduardo Galeano sobre a saúde das utopias. O aprender só se apresenta no silêncio de pensar e de sentir o que antes se experimentou. Primeiro é preciso ser uma testemunha ambivalente e paradoxal da vida. Depois desse engatinhar, há uma autorização para uma fala legítima, para um professar, para uma encenação simbólica. É só depois de autorizada esta fala legítima, que se pode penetrar nos sulcos selvagens, úmidos e mágicos do silêncio. O símbolo é a ponte que leva o discurso até o silêncio. É no símbolo que mora a possibilidade do ouvinte incrementar o saber com seus próprios ingredientes. Não há conhecimento legítimo se não houver esse sincretismo com o universo pessoal de quem aprende. É preciso que a carne doa e sinta para que se grave a tatuagem do saber. 

Aprender é estar nessa roda viva: falamos para alguns, escutamos outros e silenciamos...tanto para absorver o mundo quanto para responder. Que belas respostas o silêncio nos dá! Ouvintes atentos são os que mais tarde falarão. E os que falaram, desejarão avidamente o silêncio. Eis a roda. Mas para entrar na roda é preciso operar-se. Como se você fosse, ao mesmo tempo, o paciente anestesiado e o cirurgião que segura o bisturi. Você está sozinho na sala cirúrgica de um hospital criado pela sua imaginação. Não há uma esquipe de apoio. É você que está ali, moribundo e anestesiado. Assim como também é a sua intuição curativa que está ali, fazendo os cortes e as costuras necessárias na carne convalescente. Só você pode se operar, e será preciso abrir-se com o fio da lâmina, ver os músculos vivos, as vísceras pulsando, os ossos recobertos pelas mucosas. Operar-se é encarar essa realidade escondida em nós. Ver o bruto e o fantástico que existe por dentro. Ver a tragédia no espelho, e a vida no grão dos olhos. Esse confronto com a natureza bárbara é uma das condições de poder ser um ouvinte. 

Em geral as pessoas odeiam aquilo que não conseguem compreender. Ou dizem que é inútil, ou dizem que é idiota. Uns dizem que é abstração demais. Outros dizem que é exatidão demais. Essa arrogância é a miopia do processo de se tornar ouvinte. Não há conhecimento que possa ser inútil porque onde há uma produção humana, ali está uma parte de nós. Os objetivistas denunciam de loucos os que se elevam a andares mais arejados. Os loucos entram em conflito com a terra e suas diretrizes rígidas. Os que pensam, pensam que sentir é uma bobagem. Os que sentem, sentem que existe algum coisa de errado com essa gente que pensa demais. Os que bebem não entendem a abstinência dos abstêmicos. Os abstêmicos rezam para que os bêbados sejam salvos pela salvação fajuta que já (?) sorriu a eles. As religiões pecam na origem do aprendizado porque castram. Instituir é uma tesoura para o conhecimento. Os paradoxos são os personagens estúpidos do conhecimento. São os que brigam com o mundo de fora porque não suportam o confronto com o selvagem que está por dentro. São margens que brigam pelo domínio da ponte, sem perceber que o conhecimento é a coragem de enfrentar o rio selvagem que corre e urra logo ali.

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