domingo, 19 de maio de 2013

petúnia negra




2 - DA DESINTEGRAÇÃO 

Depois da rua e da esquina da rua, todos estavam sentados na mesa, dizendo suas retidões, cultuando suas nostalgias, fazendo ode a todas as fronteiras que existem dentro e fora do mundo, a todas as fronteiras que é preciso criar para dizer qualquer coisa. 

Todos estavam ali, vidrados em coisa nenhuma, chamando de "aspectos" o que, no fundo no fundo, era só uma parcimônia que encobria egos cheios de agulhas afiadas em direção ao mundo. Todos estavam lá, elogiando a verdade, mesmo sem saber a história da verdade. Justamente eles, que não sabem verdades tão pequeninhas como a sensibilidade que os cachorros têm em relação ao medo humano, ou a verdade dos torvelinhos do sonho, ou ainda o fato de que a verdade é uma cigana que, além de não ter residência fixa, joga cartas que aparecem sempre com diferentes composições.

Depois da rua e da esquina da mesma rua, as mulheres ainda esperavam na sala até que seus homens bêbados de vinho terminassem suas conversas sérias na biblioteca que não tem nenhum livro. E elas esperariam seus homens sérios porque homens sérios, quando se juntam, falam de negócios. E não há nada mais excitante pra uma mulher que homem "negando-o-ócio". Elas esperariam ali, resignadas, até a hora que fosse, cheias de amor por seus homens de negócios, que usavam gravata de dia e chinelos de noite pra que os pés brancos e sem vida pudessem tomar o sol da noite... como fazem os encarcerados com as migalhas do sol do dia. 

E elas também tirariam os pratos, assistiriam suas novelas, falariam suas banalidades, que eram as mesmas banalidades de seus homens de negócios sentados na biblioteca sem livros. Enquanto os homens de negócios transcendiam a altura de uns centímetros, elas lamentariam alguma dor, fariam alguma queixa velada, ririam por educação. Perguntariam alguma idiotice por aparência. 

Então os homens de negócios abririam mais uma garrafa, porque sempre é preciso estar bêbado de noite pra suportar a honraria de ser, durante o dia, um homem de negócios. O sonho do homem é a verdade de Sileno: ser nada. 

E suas mulheres, que não bebem tanto vinho tinto porque são melhores de tino, continuariam ali, querendo que aquele circo acabasse. As mulheres dos homens de negócios estavam fora deles e, por isso, a eles tudo parecia ter sentido. E eu estava lá, sentado com os homens de negócios, era um deles, era todos eles, mesmo não sendo nada daquilo nem de qualquer coisa. Eu participava daquilo como se participasse da vida. Articulando conversas e interesses. Participando de tudo, sendo tudo aquilo que um dos meus olhos de mulher testemunhava. Minha mulher era uma rebelde, uma desprendida. E quando vi, ela queria, como as mulheres dos homens de negócios, ir embora. E  vagava sutil, louca e lúcida pelo lugar.

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