quarta-feira, 25 de julho de 2012

uma aposentadoria anunciada





Meu notebook está morrendo.
Vem dando sinais do tempo que passou por ele.
O tempo é o senhor das rugas, da poeira, do fenecer, da broxura.
As teclas estão encardidas.
Os adesivos descolando.
O drive  de vídeo pára num repente.
Existem manchas de vinho num canto.
Entrou no que se chama de "melhor idade".
Mas a "melhor idade" é como propaganda política: trama embusteira.
Não pode ser melhor uma idade em que se perde a autonomia.
O melhor da "melhor" idade deve ser a liberdade de poder dizer.
O tempo, este São filho da puta, dirá.
A velhice nos dá essa chance que a novice nos rouba por conta de planos fajutos de um futuro que se pretende eterno.
A "melhor" idade, como todas, é uma idade mais ou menos.
Recheada de esperanças e poréns.
De caipiras de morango e de epocler.
Meu notebook se arrasta como um velho de bengala.
Ainda me relaciono com ele, com respeito e intensidade.
A senilidade dele faz com que eu perca aquivos de mim mesmo.
Bem não sei se é minha loucura ou a velhice dele ou as duas coisas.
Provável que não seja nenhuma das três.
Não tenho métrica pra guardar arquivos.
Frases estão soltas,
textos perdidos pra sempre.
Cartas e poemas e filosofias...tudo de gaveta.
Escritos para ex-namoradas, ex-amantes. Prefiro ex-amantes.
Todas mulheres têm a potência de "ex".
No flerte da conquista já há uma morte.
Algumas narrei.
Outras mortes preferi deixar morrer.
É um exercício do livre arbítrio, afinal, uma dose de autoengano nos salva.
Vídeos pornô, fotos antigas...tudo em desordem.
Esquecidos como despachos numa esquina,
abandonados como autistas de um sanatório estatal.
A área de trabalho é um parque surrealista de diversões.
O jardim de um asilo de velhos e dementes.

Sempre foi uma máquina de escrever com prerrogativas a mais.
Morrerá apenas máquina de escrever.
Tudo que morre fica gravado na história por aquilo que fez mais, não pelo que fez melhor.
Essa é uma das tristezas da vida.
O mar de letras ordenadas como uma pedra bruta que esconde uma escultura.
A ordenação da desordem é dos dedos, do cérebro, da metafísica, das nuvens, dos espíritos.
Ele foi minha coroa de espinhos e minha mãe.
E por honra, agora sou o enfermeiro.

2 comentários:

  1. troca esse computador meu velho, já te disse para comprar um que vai "revolucionar". Sim, bem consumidorzinho mesmo. Mas vale a pena! Abração e show!

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  2. bah irmao, sou apegado! hahahha
    mas vou esperar a morte e depois do luto me revitalizar. abracao

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