sexta-feira, 20 de julho de 2012

voltei com Kate


Em 1997 me apaixonei pela Kate Winslet. O Titanic tinha sido lançado. Fui 4 vezes no cinema. E esperava por aquela cena que o Leonardo DiCaprio desenhava ela nua, branca, lisa, maravilhosa, numa poltrona abençoada por Deus, um anjo guardião do céu da vida. 

Com braços acima, e pernas juntas, e esfregando a pele que fica do lado direito do corpo.  Recortei uma foto dela na Zero Hora e escondi embaixo do travesseiro. Minha cama era no andar de cima do beliche. Kate me inspirava.

As nuvens passavam. As chuvas caiam. Começava o dia. E terminava o dia. E eu cavalgava a imaginação na Kate. Ela era o que me salvava. Porque desde sempre só as imaginações me salvaram. 

O que sempre houve, na verdade, foi que sempre fiz da idéia uma verdade antes da própria realidade, meio como pensava Platão. Platão é meu carrasco e minha sacristia.

Depois a paixão passou, como acontece com toda paixão. Mais tarde vi a bunda dela pelada num outro filme que não lembro o nome. Percebi que ela já não era a mesma. A bunda se mantinha lúcida só porque a luz da cena do filme ajudava. Pude ver. Sou um técnico em bundas, como esses caras que arrumam máquinas de lavar roupa.

Depois disso fiquei vários anos separado da Kate. Ligar, como eu nunca tinha ligado, nunca mais liguei. Emails, que eu nunca tinha enviado, jamais voltei a enviar. Até lembranças de aniversário deixei de lembrar, ainda que nunca tivesse feito uma.


Encontrei ela de novo como a aluna analfabeta que trepava de tarde, ingenuamente, com um aristocratinha que lia livros pra ela.  O leitor lia e ela escutava pelada, de bruços. Eu pensava: "essa mulher me persegue". Volta e meia, ela era outra na minha frente.

Depois veio Em Busca da Terra do Nunca. Era ela. De novo maravilhosa e vulnerável. Dentro de vestidos ajustados e em paz com o universo. Sorrindo no inicio. Doente no fim. Devota dos filhos. Devota do marido morto. Fiel até a morte e mesmo depois dela. 

Deixou de ser a rica-afogada-e-apaixonada-por-um-pobre, e se transformou em uma mãe fiel aos filhos e ao marido, do tipo que não se importa com quantas amantes o marido tenha ou não tenha, seja nessa ou em outra vida. Uma devoção própria das madres santas da comunidade nosso senhor dos selvares de Deus. Os anos tinham feito Kate se tornar uma santa. Que chora e morre agarrada na vida. Feita para sofrer, para morrer pelo amor, e para ser só perdão, como disse Vinícius, um poeta de linhagem hermética. 

Ela sempre será uma gordinha que não aconteceu. Um abraço para a velhice. As novas precisam ser gostosas para que o colo da velhice seja mais gordo e mais quente, uma espécie de instinto de sobrevivência do macho, que busca um assento confortável para morrer, exatamente como fazem os elefantes no fim da vida.

Kate me olhava pelada pela foto congelada, esperando que eu lesse histórias pra ela.


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