Na casa da paz, reina, além da paz, uma nudez despreocupada,
um silêncio benigno, a calma das ruas marginais. Na casa da paz existe uma
rede com tramas tradicionais, que se deixa ser tocada pelo vento sem sentir frio
ou desagrado... Estando morta, a rede consegue ser mais forte do que eu que,
supostamente, estou vivo, o quê, por si só, me desassossega.
Na casa da paz existe a potência da música, que dorme em
cada instrumento não tocado – esse tão belo casamento entre homem e instrumento (se os casamentos fossem assim, uma conciliação entre o silêncio e a música, poderiam dar certo...)
Para instalar a paz, como faz um técnico que instala
uma antena de TV a cabo que multiplica os canais, é necessário abrir as gaiolas
e deixar que os pássaros engaiolados voem para onde quiserem voar, isso se for caso
de gaiola ainda não vazia.
Com a liberdade dos
pássaros, as gaiolas são inúteis, são adereços... Como espelho da natureza como
faziam os antigos, cogito que ainda não sabemos separar o que é necessidade e o que é adereço com a liberdade que a história nos concedeu. É esse o cálculo a
ser feito depois da conquista desse sentimento a que damos o nome de
liberdade... Viver é perceber a vida como um amontoado de adereços decorativos
que escondem coisas com as quais não sabemos viver sem... Do ponto de vista
quantitativo, para cada um, há uma quantidade de necessidades - quanto menor
elas forem, mais próximo do grande sono se está. Afinal, desde que se saiba
que o grande objetivo da vida é morrer, não haverá mais qualquer sintoma da
grande ignorância, desse som infra ou ultra que chega a tão poucas consciências
sonares.
A paz existe nos orgasmos de amor e de intimidade, na
recuperação do fôlego que o excesso de participação na vida nos tira. É nesse
sentido que o sedentarismo é um exercício poético: quanto mais plácido o corpo,
mais rapidamente se perde o ar. Todos vivem de querer perder o ar, e é por esse desejo catastrófico de perder o
fôlego que se instalam no homem todas as chagas do espírito. É esse desejo
nirvânico, de tocar com os dedos o rosto de Deus e de descortinar a verdade por
inteiro, que há que se decretar a falência de uma era. No cume das altas
montanhas existe um baú com a inscrição “A HUMILDADE DAQUI PARA DIANTE...”.
Dentro dele está, num frasco muito pequeno, a única gota que é necessária para que
a vida se mantenha dentro de cada caminho de cada caixeiro viajante do novo destino.
Parece zombeteiro? Em breve não parecerá...
A casa da paz abre as portas, para um mundo reinventado, com
olhares sem medo, com uma injeção que pinga honestidade pela agulha, ávida para
fazer matar e fazer viver, tingindo de verdade a verdade de
cada um. O sol queimará toda pele fraca que não souber que a sombra é seu
lugar. As teorias serão parciais, localizadas, regionais. Haverá uma outra
metafísica, já que as matérias da metafísica serão experiências ligadas à carne,
aos olhos, aos sentidos. Haverá calma ao dormir e interesses grandiosos ao
despertar. Haverão ainda outros e novos caminhos para o devaneio. As casas serão, em todas as partes,
igrejas.
para o primeiro post do mundo que não terminou na virada do ano, afirmo que há pequenas verdades em cada frase.
ResponderExcluirserá que dá para "curtir" também no blog? hehe
valeu minha querida! tá "curtido" já. bom inicio de ano. bjo
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