sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A PACIÊNCIA DOS AMANTES


Algumas amantes são exclusivas do inverno. Digo amantes no sentido de fazer amor e não no sentido-comum-traiçoeiro... que na verdade não é tão traiçoeiro assim. Interfonei e subi. Quando sai do elevador ela me olhou com um olhar de “você não tem jeito mesmo”.

- Encontros e desencontros da vida, ela disse.
- Arte do reencontro, eu disse, plagiando o grande de Morais pela metade.

Sou um grande plagiador da vida. Plagiar as coisas pela metade não leva ninguém pra cadeia. E como a imoralidade nunca tirou meu sono, vou fazendo de conta que tudo em mim é inédito como uma verruga nova. É preciso muita auto-ilusão pra não ficarmos bastante decepcionados com quase tudo que a vida tem pra nos oferecer.

Alguns amores de amantes são sazonais, às vezes, amantes de verdade ficam meses sem nenhum contato. Acho que é possível chamar de amor o amor de uma noite apenas e, por isso, é bem provável que eu fique sem um amor tradicional como são esses que completam bodas. Falta boa-fé nos relacionamentos de hoje, e boa-fé não tem nada a ver com fidelidade. Falta honestidade com relação aos nossos desejos humanos quando nos juntamos com alguém. Jorge Amado me afiança com a Dona Flor, que repartia seus desejos humanos entre a subversão da morte e a metódica da vida. Sentir perenemente é coisa de gente mecânica. As engrenagens são assim, operam independentemente do clima, do estado de espírito ou do humor da máquina. Há quem ainda acredite que os sentimentos podem ser tão estáveis quanto são as engrenagens de um relógio, como se os desejos fossem afetos de uma calculadora. Quem acredita que a realidade pode ser batizada/rotulada/nominada, acaba convencido de que amantes são pares adjetivados pela mácula do pecado.

O vinho é o pretexto eterno dos amantes de inverno. Ainda somos acostumados a fazer mil rodeios antes de trepar efetivamente. Depois de uns bons tragos de vinho o amor nasce em qualquer coração que seja de verdade. Vinho tinto, claro! Deve ser porque o vinho tinto é escuro como sangue vivo. Deve vir daí aquela história do sangue de cristo que justificava e até hoje justifica o alcoolismo dos sacerdotes. Quem dera, só enchendo a cara pra aguentar a santa castidade (que ao meu ver é demoníaca castidade). Aliás, a santa castidade deveria ser chamada de santa paciência.

Sentamos ao redor da mesa de centro do apartamento dela. Uns dvds de música boa na televisão-quadro-LCD-3D-putaqueopariu de gente rica. O vinho estava servido e as conversas eram suportáveis. O cabelo dela cheirava bem, assim como o perfume do incenso. Os peitos siliconados dela me olhavam atrás da blusa de linha branca e do sutiã de alças que era como o suporte de um grande arrepio. O fim da garrafa trouxe o instinto de androgenia, que é um jeito bonito de dizer que eu tava com um tesão filho da puta. Mas as mulheres gostam de fábulas, gostam de dizer que a culpa pelo desejo é da embriaguez e não do desejo em si. Devem ser os resquícios de uma cultura que foi muito sacana com as mulheres. Se eu tivesse sido mulher antigamente, morreria queimada, assim meio puta meio Joana D’arc.

O sexo com as mulheres começa com o modo como falamos no telefone. Desde a ligação elas começam uma odisséia que só termina com o café da manhã que ela nos preparará, parecendo que tivemos uma noite de cinema. O desejo de sentir-se desejada e viver numa história inventada pelas comédias românticas e não pelas comédias de verdade do Woody Allen, sempre são o veneno que as próprias mulheres fazem questão de tomar. O instinto de androgenia trouxe mais uma garrafa. O vinho percorria cada fio de músculo. O álcool já não tinha casa dentro de nós porque todas os espaços estavam ocupados. Conversa vai, conversa vem. O pau dava umas levantadas, depois se recolhia, devia estar achando tudo um saco maior que o dele. O papo continuava e continuava e continuava. As pálpebras começaram a cair nos olhos... mesmo sem ser sacerdote, as vezes é preciso uma santa paciência celestial.



3 comentários:

  1. Paulinho, acho que estás amando muito!
    Ou estás sendo um bem-amado!!! rsrsrs

    Gostei demais do: "Digo amantes no sentido de fazer amor e não no sentido-comum-traiçoeiro... que na verdade não é tão traiçoeiro assim." Conheces algum outro homem que defina um "amante" assim?! Me apresenta, pleeeeease! rsrsrs

    Mais ainda de: "Alguns amores de amantes são sazonais, às vezes, amantes de verdade ficam meses sem nenhum contato."

    E assino embaixo do: "Falta boa-fé nos relacionamentos de hoje, e boa-fé não tem nada a ver com fidelidade. Falta honestidade com relação aos nossos desejos humanos quando nos juntamos com alguém."

    Mas não sei se ainda somos tão fantasiosas o tempo todo... pq eu, por exemplo, fui ficando com uma preguiiiiça de ler isso depois do "sutiã de alças que era como o suporte de um grande arrepio" (sacada genial, diga-se!)... e só li até o fim para ver se chegaram ao "vamos ver" mesmo... e tu foste parar no céu?!?!!
    Santa paciência digo eu!!!

    Espero que essa postagem tenha a parte II, do tipo: A paciência dos amantes: uma preliminar da ação que faz senti(n)do!
    hahhaahahh

    Bjus!!!

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  2. hahaha valeu Lulu, se eu contar o final do "causo" estraga né. Mas como acaba sendo uma recorrência de inverno, no outro, espero um final com menos sono, por assim dizer.

    Pena que não vieram pro nosso Vinho Filosófico.
    Dia 30;10 tem mais, se der aparece.
    Super beijo

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  3. Mas não era um encontro com aparência super séria de "grupo de estudos (bíblicos)"?!
    Onde, ou melhor, a que horas, o vinho entrou no esquema?! rsrsrs
    Ah, não... só compareço em encontros para os quais recebo convite mesmo! Não um simples: "se der aparece"... hahhahah
    Bjus!

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