quarta-feira, 8 de junho de 2011

ÚTERO NOSSO DE CADA DIA






Quando o capitão Nascimento apareceu pela segunda vez, o “cala boca 01” saiu de moda pra dar lugar ao “o sistema é foda”. Essa última foi a frase do momento quando o filme foi lançado pelos camelôs e, depois, pelos cinemas do país, que cobram mais caro que os camelôs. Acho que a modinha até já passou, mas acontece que esse texto é antigo e agora que voltei a abrir o arquivo... já nem lembro em qual planeta eu andava quando escrevi essa porcaria.

Seja como for, essas frases vivem e morrem como as estações. Daria pra citar várias se eu tivesse com alguma paciência. Como estou sem nenhuma, lembre você mesmo dos ditos que caem no gosto popular e os que você usou pra sentir que pertencia a alguma espécie e que não era um filho da mãe alheado do resto, sozinho, fodido e depressivo. De qualquer forma, a boca do povo também salva a grande laia, aliás, uma pertence à outra. A boca do povo, em geral, tem mau hálito e dentes cariados. Digo em geral porque também acho o sistema foda. Digo em geral, também, porque dizer que o sistema é foda, nada mais é que a simplificação de uma grande verdade. E aí meus amigos, eu agora a todos revelo: as únicas verdades possíveis além das sensações (essas são as verdades maiores– e isso o Caeiro já sabia) são as verdades que atestam o que acontece no mundo podre em que vivemos.

No meio dessa podridão toda, é um alento perceber que a arte não morreu. Não sei o que é arte, isso é coisa pra quem fica perdendo tempo tentando definir as coisas, o que é um baita problema da nossa civilização de hoje e de sempre. A arte que eu entendo por arte - e que não vou perder tempo tentando explicar aqui -, vive e continua cheia de força. O sistema é foda, sim senhor, sim senhora! É melhor escutar “o sistema é foda” do que “o reboleichon chon...”. Claro que tem arte para todo gosto. Quem gosta do “reboleichon chon” tudo bem, que dance e se foda bem longe de mim.

Até a arte consegue ser podre e sem propósito. Se não tiver propósito, tudo bem. Pensando com calma, tudo é sem propósito. Existir não leva a lugar nenhum. Morrer também não leva a lugar nenhum. Tudo é uma questão de resistência, de vencer as horas e os dias com alguma ocupação qualquer. A arte produzida pelo cinema, que fez sair do filme Tropa de Elite 2 a frase da passarela nessa estação da linguagem, é legítima porque faz um aforismo contemporâneo do que efetivamente é, da centrífuga calamitosa em que estamos todos à exceção do filho de uma égua do Palocci, que não vai me processar porque não lê meu blog.

A força da arte que nasce do cinema é foda! A arte tem uma influência fortíssima sobre a grande massa encefálica coletiva. Essa influência é a mesma da mídia (claro que é um argumento cansado...), porque a novela e o futebol também formam a moral do povo. A moral anestesiada do povo. O povo se distrai com a novela, com o seu time no campeonato. Tudo pra não perceber que o sistema é foda e que não adianta querer desmontar essa bomba que nos explode aos poucos. A arte do cinema, tal qual a arte do futebol e da novela, penetra na cabeça pseudoencefálica do povo, justifica os dias, o passo cansado das horas, fazendo tudo parecer ter um sentido que, em verdade, não existe.

Claro que o cinema não é um privilégio do povo, é caro, restrito, burguesinho. Ainda bem que existem os camelôs que vendem cinema para o povo. É a democratização da arte que é proibida pela lei que não existe, que é a lei do mais forte (economicamente). E a gente ainda fala em estado democrático de direito. Todo jurista adora falar isso e não faz ideia do que fala. Ainda tenho uma raiva tenebrosa de todo jurista porque tenho um preconceito filho da puta com todos eles, confesso. No fim das contas, nada é democrático, você participa se tem cacife, ponto final. É como no pôquer, se não tiver fichas não joga. É como buceta de puta, se não tiver dinheiro a calcinha não arria. Precisamos de dinheiro pra tudo, até para ter mulher. Seja uma puta ou a sua esposa. E que as mulheres não me interpretem mal, porque se forem interpretar já estarão enganadas. Os homens também. E se isso pareceu confuso, pare de ler porque você não vai conseguir entender bulhufas. Se isso pareceu arrogante, que se foda. Me permito pelo menos aqui dizer alguma coisa com pureza.

Em geral eu tendo a pensar que tudo que a massa louva é porcaria. Eu tento não julgar, mas acabo julgando. Não julgar é dos exercícios mais impossíveis que existem, fica bonito no discurso, mas aplicar é foda. Experimente ficar um dia inteiro sem julgar absolutamente nada. Deixar de julgar certos e errados, feios e bonitos, atitudes morais e amorais. É quase impossível de fazer pra quem não é doente mental como aqueles caras que ficam meditando numa caverna e se alimentando de cebo da língua..., quando acordamos e temos que tirar a bunda da cama, já julgamos a existência, pensando que a vida toda é uma merda e que é um saco ter que nascer pra vida todos os dias, ainda mais nesse frio filho da mãe que anda fazendo aqui no sul. Acabamos julgando do inicio ao fim. Do dia. Da vida. E talvez até da morte (depois que eu morrer volto e escrevo pra dizer se lá também é assim que funciona).

Mas, resumindo, a merda toda é a seguinte, o sistema é foda porque ele te diz: ou você me acompanha ou eu vou te ferrar até você dizer chega. Atrás do sistema está o dinheiro, que é hoje o combustível viral de tudo. O sistema é drogado, é alcoólatra. E se você quiser fazer parte do sistema, você tem necessariamente que estar adequado. Cheirar a merda e dizer que fede a baunilha com morangos e flores. Tapar o sol com a peneira. Participar do teatro.

Viver é uma angustia. Toda angústia só é angústia porque sente falta de algo. Toda angústia é uma incompletude. E se sentimos que nos faltam pedaços, queremos recuperá-los. Recuperar é o desejo de voltar a ter algo que tínhamos e que perdemos. Queremos a sensação de volta. A sensação que já sentimos e que se foi com a correnteza da existência. Mas qual é sensação? Se é na origem que deixamos nossa sensação primeva, desejamos de verdade uma volta ao útero.

Nós homens passamos a vida comendo pererecas de todos os tipos e tamanhos, pelo menos até encontrarmos uma que substitua todas de todos tipos e tamanhos que é quando o famoso amor dá as caras. Estamos sempre querendo inconscientemente dar um bico de retorno dentro da perereca. Pensando que ela é uma piscina que podemos nos atirar e ficar eternamente lá dentro. Fazemos isso com o pau... ficamos lá, cavando e cavando, mas, na verdade, queremos entrar lá dentro e ficar. Tomar posse daquele espaço que não mais nos pertence. O gozo de um homem é o choro por perceber que não é possível voltar ao útero. O útero é o nirvana da existência.

Então, quando percebemos que não é possível invadir uma perereca e permanecer lá dentro, decidimos que o melhor mesmo é morrer, se deixar confundir com a terra. Da terra viemos e à ela voltaremos. Acho que isso foi escrito na Bíblia por algum dos coautores da Bíblia, esses todos que ainda não fizeram o currículo lattes do CNPq. Queremos morrer porque vimos que a terra é o útero possível dos que passaram a viver. E não me venham dizer que isso é complexo de Édipo porque o Freud só escreveu bastante do jeito que escreveu porque não comia ninguém.

Um comentário:

  1. Ótima reflexão!
    Esse é o mundo, esse é o sistema, é nisso que vivemos. Sem mais.

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