segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Visita à Casa do Poeta




CASA DO POETA. Essa foi a inscrição que li numa placa de madeira cruzando as ruas de Timbó, uma cidadezinha de Santa Catarina. Comecei a seguir as placas. Casa do poeta? Em Timbó? Não que tenha havido qualquer desprezo à cidade, mas poesia, aonde quer que seja, chama minha atenção. Em geral, as pessoas querem que a poesia vá pro espaço. Não se interessam por nada que não tenha praticidade. Poesia serve pra quê? E esquece-se de, pelo menos, cogitar em revolver as premissas que constroem seus próprios conceitos de praticidade. Mas não há como determinar culpados, ninguém é obrigado a gostar de nada. Falo de forma bem sincera.

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Era apenas mais uma cidade do interior, com olhares curiosos sobre os forasteiros, ruas limpas e vidas compartilhadas e vigiadas entre a consciência de todos. A vida no interior é mais mansa e mais escrava. Mais mansa porque ainda é possível escutar os pios dos pássaros. Mais escrava porque todos estão agrilhoados a todos outros. Quanto menor a cidade, mais despótico é o grande Outro, tomando emprestada a expressão de Lacan. O grande Outro é aquela voz imaginária que sussurra em nossos ouvidos “...mas...o que os outros vão pensar?”. Viver para os outros é uma merda absoluta se essa for uma regra absoluta. Nessas cidades menores é assim: todo mundo conhece o fedor de todo mundo. Falo com o magistério de quem já morou em Casca, uma cidade com uma italianada cheia de certezas e mortos de medo de decepcionar os vizinhos, ainda que tivessem que tolher as próprias vidas. Vão morrer pensando que estavam certos. Quem tem sobrenome europeu acha isso uma grande vantagem. Vão à merda com isso. A vida é um jogo de xadrez com apenas um cara movimentando as peças. O grande Outro joga com as peças pretas e brancas, a seu bel prazer. Esse tal grande Outro é apenas um novo nome de batismo da velha moral, essa que com certeza já ferrou pelo menos uma vezinha os desejos de todo mundo...

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Seja como for, a vida nas cidades maiores é também uma merda. Talvez seja menos porcaria que nas pequenas, mas apenas talvez. Ao passo que se pode passar a perna no grande Outro com mais facilidade e, por conta disso, sentir-se mais livre, as cidades com gente empoleirada são caóticas e cruéis. Para os pobres é uma desgraça. Para os ricos uma insegurança. Resumindo: não temos pra onde fugir.

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Cheguei à Casa do Poeta. O poeta em questão era Lindolf Bell. Nunca tinha ouvido falar do cara. Já morreu. Melhor pra ele. Se não voltou é sinal que as cidades aonde ele vive são menos tirânicas e mais espaçosas. Fiquei impressionado com a aura da casa. Era um alívio estar ali. Tudo recheado de verde e ao mesmo tempo sem os mosquitos infernais. A natureza só não é divina porque existem os borrachudos chupando nosso sangue. Lá na tal Casa do Poeta eles estavam de férias. Havia flores e calmas. Coisas vagarosas. Formigas preguiçosas que não picam ninguém. Até a brisa era vagabunda e soprava com lentidão. Enchi os pulmões de brisa vagabunda. Que tesão vagabundo. Poético. Uma sensação de estar-com a natureza. Ser ela ao mesmo tempo em que eu era eu. Mas tinha aquele terno e aquele sapato maldito. Com o mini salto maldito. Entrei e uma secretária com seus 48 anos me atendeu. Assisti um vídeo chatíssimo sobre a vida e obra do tal Lindolf Bell. O cara atirava poesias dentro de uma garrafa nos rios e tirava fotos para registrar, vai ver deixava as poesias ruins pra jogar no rio. Depois entrei nos cômodos. Tinha fotos do L. Bell com Clarice Lispector e com Mario Quintana. Camisas puídas e armários antigos. Nenhum fantasma. Quinquilharias. A secretária era atenciosa. Devia viver numa boa trabalhando ali.

Comecei a escrever isso no ano passado e acabei esquecendo as sensações que tive quando visitei a Casa do tal Poeta. É as sensações são como eclipse, é preciso estar presente para sentir. E como é preciso sentir pra escrever, vou parando por aqui.



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