segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poema da concentração


Que pensam todos esses que caminham pelas calçadas?
(Irão talvez sem culpa de sentir que sentem...)
Que segredos íntimos habitam suas casas?
(E pode que os segredos guardados sejam uma senhora anciã que chacoalha as pelancas numa cadeira de balanço, estando sem estar, de tão pobre de gracejo de se ver que já é – segredos velhos enfiados em um mundo novíssimo, como tratá-los?)
Que gemidos roucos sussurram todas essas mulheres nos quartos de úmida intimidade?
(Gemem prazeres que acabam, afinal, acabam e com isso havemos de nos conformar enquanto formos privados do abraço quente da morte).
Sentirão de verdade as gotas que escorrem por entre suas entranhas?
(Mas se a condição de toda gota é estar entre os vácuos da terra, então há que se delirar – e conformar-se – com a rota das gotas na cruzada até o seio da grande Gaia, sepultura escura dos movimentos)

Não ser impossibilita-me de sentir todas as coisas.
E por não ser absolutamente nada,
nem mesmo qualquer coisa absoluta como o nunca,
plasmo. Plasmo sei lá onde.
Seremos, por simplesmente sermos,
mendazes para com tudo que nos é próprio?
E se o universo nos for propriedade legítima,
ínfimo instante da claridade absoluta,
teremos ganhado então,
a grande mentira,
a única capaz de ensinar a volúpia da verdade?

Estrelas escrevem desenhos que eu sequer posso antever,
banham de ingenuidade minha cabeça crivada de sensações.
Sou o menino. Sou um menino.
Sou uma flor sem vento.
Sou o jardim todo, de poucos.
Mas virá a tortuosidade do inverno.
E contra ele não poderei.
E não podendo,
já antes de ser morto pela geada que queima sem ser fogo,
já não serei.
Sou um menino. O que vomita na jangada.
Das terras do nunca e do nunca mais.
E se a mim o emetismo evitasse, aonde me levaria a jangada?
Talvez me reserve o nunca mais,
além da última marca da última bota no último pedaço de terra...
Farejo que os mundos além da marca da bota última estão também ali,
na cabeça incessante dos que passam (mesmo que não pensem nas marcas finais),
e também logo ali, na cabeça dos seus cachorros encoleirados.
Quê pensam os cachorros na coleira dos donos que eu também não sei o que pensam?
Capaz de farejarem por seus donos.

E é exatamente isso que troco por todo esse tugúrio que me contém.
Sim, as copas das árvores que não são minhas me banham de sombra até a hora do banho das estrelas que não sei onde moram e que piscam, como a blefar sua própria existência.
Minha casa é fora dela.
Essa de ossos e tijolos.
Essa minha árvore,
de vastíssima sombra e frondosa ramagem,
leito formado por terra e tronco aonde apoio de noite o que não sustento de dia.
Pobre mansarda que me contém. Pobre tolo de mim.
Pobres tolos também esses que pensam sem saber que podem pelas calçadas,
esquecendo que depois da última gota – de vômito – nada mais há que se vomitar.
O manah de existir escafedeu-se. E pra onde?
Alimentemo-nos, agora, então, e me digam os deuses todos até quando, de quê?
Se nem sabemos de que fome exatamente se trata nossa angústia.
Enquanto isso, sorrisos. Salvadores talvez.

Um comentário:

  1. Bah, como já pensei nisso tudo, Paulo.
    Quanto aos donos e cachorros é que não tenho tanta certeza qto tu de quem é quem.
    "Manah de existir" foi ótimo!
    Estão produtivas tuas "férias"!
    Beijos!

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