sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pontes de Madison




Como a intoxicação de uma droga que faz persistir na consciência o estado alterado, o rastro do romance, da sensualidade e do toque sensível ao tato da alma, permanece ao meu redor, seguindo meus passos pela casa, pela noite, sobretudo pelo longo oco que a madrugada fabrica dentro dos meus ambientes profundos. 

O vento da madrugada leva e traz a cortina branca da sala a ponto de esconder as manchas de pó e vinho que o tempo marca em todas as cortinas solteiras. As vozes acontecem lá embaixo, mas distantes, nada ruidosas. Um zunido longínquo como numa embriaguez profunda. A planta da sacada talvez beba a água que a chuva trouxe e deixou na terra como alimento. 

As formigas filhas da puta transitam pela mesa, pelas teclas, por mim. Todo o rancor que não guardo pelos homens, tenho pelas formigas que invadem meu espaço. Posso sentir o itinerário tímido que algumas fazem pela minha pele. Como contraponto do mal que me fazem, procuro a lição: talvez seja mesmo melhor não saber onde se pisa, assim como fazem essas formigas filhas da puta, aventureiras que são, que ensinam mesmo sem saber que ensinam. 

O silêncio me envolve como o sonho, me abraça, me beija, me permite estar em paz com a sua lambida. O paradoxo do amor quase me abate, mas antes que meu pensamento pereça por saber que as histórias mais bonitas de amor são as impossíveis, resplandeço, respiro o mundo, auto-corrijo o engodo da aparência: porque elas acontecem. Estão nos livros e nos passeios da praia e no cinema. O peregrinar é uma estrada de quem tem muitas casas, é de quem não arrasta pesadas raízes senão troca incessantemente as folhagens vistosas à vista do mundo. 

O peregrinar faz muitas fotografias, mas mais olhografias que é a fotografia da memória - muito mais tecnológica porque apreende a sensação. Mas o silêncio me diz que sempre haverá a casa com a cama mais macia, a capa de um álbum de fotos que permitirá apenas uma, a história mais lida, mais linda... 

Pelo amor impossível que se crava como pilar de mármore na cidade invisível onde acontecemos, inscrevo dizeres eternos, de um amor eterno. Passado pelo presente e pelo futuro.

4 comentários:

  1. Certas vezes o amor é um filhote, coagido pelo medo ou pelo destino. Certas vezes é quem coage e causa medo que interpretamos como destino. Pra sempre, nem que seja em alguma pequena e insignificante coisa, você me será um mestre Paulo. Grande abraço.

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  2. tocar um coração, nem que seja com a ponta do dedo, é uma vitória do homem sobre o medo, é quando passa a construir seu destino. Minha querida, falar para e ouvir gente como você é meu combustível. Obrigado! Beijo no teu coração!

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  3. Isso! Nas 'pequenas e insignificantes coisas' (como abrir a geladeira com receio de encontrar um ovo chocado lá dentro) é que me fazes lembrar de ti. Tens o dom de instigar o leitor e o fazer sentir exatamente aquilo que sentiu ao escrever.
    Há tempo não lia teus contos, Paulo...e tenho a impressão de que se tornaram mais intensos.
    Foi um prazer voltar aqui! Saber que ainda escreves...Saber que ainda continuas enchendo os nossos corações de alegria! Um grande beijo querido!

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  4. tuas palavras passam a mão na minha cabeça e no meu corpo. a memória doce é um chinelo depois de um dia inteiro de sapato social. saudade. beijo Carla.

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