Há um
antigo mito qualquer que apresenta as possibilidades do dilema humano.
Ao encontrar uma fenda imensa bem no meio do caminho, que impedia a
natureza do seu itinerário, o caminhador meditou as possibilidades.
Poderia tentar pular a fenda, mesmo sem certeza do alcance do seu
impulso. E aprendeu que a coragem, por si só, não aumentava o tamanho de
suas pernas nem diminuía a extensão do buraco. Poderia
tentar contornar a enorme fenda, que rasgava a terra até onde os olhos
não podiam ver. E aprendeu que mesmo a resistência precisava crer. Crer
que não se tratava de uma fenda sem fim, que porventura pudesse ter o
tamanho do mundo inteiro, a ponto de separá-lo para sempre do seu
próprio destino, que era caminhar. Poderia voltar. Dar as costas. Mas
pela dor que os pés sentiam, aprendeu que voltar é trair os caminhos.
Poderia, por fim, construir. Uma ponte. Ou asas. Ou uma casa com vista
para a fenda. Ficou com a ponte porque todas as pontes são memória das
faltas e potência de volta.
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