A lindíssima canção se chama Queen Margot, da Orquestra Filarmônica de Praga.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
As mulheres de Modigliani
Versos com magma...
Venho despertando de mim.
Viajei aborrecido pelas estações.
Nos lugares do mundo, de Lisboa a Berlim,
mais borboletas sensíveis, menos dragões.
Ser sensível é ser poroso,
é escutar o inaudito.
Nesse meu calendário queixoso,
vejo tua forma nesse módico escrito.
No azar de não permanecer cego,
o belo é fadiga e futilidade.
Papeando com meu ego,
libertei minha própria clandestinidade.
Quando me encontrei, eu não estava!
E o espelho sorriu tua saudade.
Nosso filme era raro, mal começava.
O amor num potinho, guardava toda verdade.
domingo, 29 de novembro de 2009
Anestesia poética com Jorge Luis Borges
Jorge Luis Borges
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Freud: orgasmos múltiplos ou homem-bomba?
Confesso que devo muito ao mestrado da Unisinos pelas janelas reflexivas que se abriram em mim nos últimos tempos. Para quem não conhece, a dinâmica das aulas de pós-graduação estrito senso não tem nenhuma semelhança com a velha aula “papagaio egoísta” da graduação. Lá somos ensinados a debater, discutir e refletir. E pra isso ninguém precisa concordar com ninguém. Mesmo assim, confesso que a experiência com os fundamentalistas da psique me (re)ensinou aquilo que a velha filosofia campeira aqui do Rio Grande indica: não se pode dar murro em ponta de faca. Desdobres à parte, fiquei inquieto com a reação de contrariedade além do esperado e fui buscar suporte substancial em relação ao embate doutrinário. E porque pesquisando sempre se descobre, descobri que a psicanálise freudiana é tão fervorosa quanto essas religiões fundamentalistas. De acordo com os dados que colhi essa gente não mata ninguém, nem atira aviões em edifícios cheio de gente capitalista. De qualquer forma são tão fanáticos quanto os homens-bomba que explodem os próprios miolos em busca do paraíso cheio de virgens prontas para satisfazer, no céu, todos os desejos mundanos dos bombásticos imbecis. Também recebi suporte teórico de um excelente professor da UFRGS que esteve palestrando na Semana Acadêmica da Psicologia ocorrida na UPF no dia 11 de novembro. Dizia o professor Pedrinho Guareschi sobre os vícios da psicanálise em relação à não superação do paradigma racional-científico e do esquema sujeito-objeto e sobre algumas insuficiências da psicologia individualizada de Freud, que não tenho mais paciência para discorrer. Guareschi também fez uma interessante analogia: quando pingamos mercúrio na pele sã, não sentimos praticamente nada, porém, se tornamos a pingar mercúrio no mesmo lugar de antes, já com a pele sensível, sentimos alguma ardência e com a repetição podemos sentir fortes dores. A analogia foi utilizada para explicar que quanto se trata de dores da alma a mesma mecânica se dá: sempre que uma reação é demasiadamente inflamada, pode significar que tenha tocado em alguma ferida já aberta. E com isso fiquei especulando em que ferida fui eu, ingenuamente, tocar nos fundamentalistas da psicanálise...seja lá de cunho pessoal ou da sua seita hermética.
Pesquisando, o que me chamou a atenção nas leituras que fiz, foi a proximidade de Freud com a filosofia. Essa que segundo os adolescentes emburrados que debateram comigo não pode ser associada à psicanálise. Descobri que Freud, mesmo com a exclusão do status de obrigatórias das disciplinas de Reflexão Filosófica e História da Filosofia, cursou ambas e tardou o término de seu curso. Transcrevo agora, texto de Marcio Mariguela que faz conexões entre Freud e Nietzsche em relação ao sentimento de culpa. A Universidade de Viena de então era o centro de excelência da investigação científica, e havia pouco espaço para a especulação filosófica. Os jovens universitários, formados dentro do mais rigoroso estilo positivista de ciência – e Freud era um deles –, encontravam nas aulas de filosofia espaço para aventuras no terreno filosófico. Outro aspecto ilustrativo da especulação filosófica do jovem Freud pode ser identificado na correspondência com sua noiva Martha. Numa carta de 16/08/1882, escreveu: “a filosofia, que sempre imaginei como objetivo e refúgio para minha velhice, cada vez mais me fascina todos os dias”. Não se trata de demonstrar, como era previsível, que Freud se apropriou da filosofia para escrever toda sua rica obra. De qualquer forma, fica a minha perplexidade com a incapacidade de tolerância e de diálogo desses neofanáticos (pelo menos pra mim que não sabia). Escutei coisas como: “pra essa gente é Freud na terra e Deus no céu”. Caro o perigo das idealizações, sendo que desde já recomendo a leitura dos existencialistas, em especial Sartre. Ofereci espaço nesse mesmo blog para resposta, para que exercitássemos a dialética, e recebi uma total ignorância.
De qualquer sorte, aprendi na reunião que a falta de movimento é filhote da chamada pulsão de morte (essa coisa imbecil que Freud estranhamente só inventou depois que as Guerras mundiais estouraram). Vai ver seja essa tal pulsão de morte a operar nessa gente: morte (simbólica pela ignorância) à tudo que vai contra os preceitos metafísicos do deus feito de carne, ossos e um câncer de boca (Sim, nosso imortal Freud morreu de câncer na boca porque era fumante assíduo de charutos cheios de “pulsão de morte”). Ainda bem que os fanáticos da psicanálise e apoiadores não vão ler esse textinho que é também idiota e pueril. Afinal, essas letras são inexperientes e funcionam como o conteúdo da sacola do lixo, quanto mais aumentam mais fedem. Portanto, não venham aqui feder no meu monólogo e fiquem aí paralisados com a pulsão de morte e seu câncer holístico.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Furtando Pablo Neruda
Reorganizando os livros das estantes, que em verdade nunca estiveram organizados por tema ou assunto, encontrei um livro de poesias que ganhei em meados do ano passado. Assinando os versos, Pablo Neruda. Assinando a dedicatória, as estrelas. E me lembrei do filme "O carteiro e o poeta". Lá havia a seguinte mensagem: depois de escrita uma poesia, ela não mais pertençe ao poeta...Talvez por isso que a dedicatória vá acompanhada de um verso lindíssimo do Neruda. Quando encontrar-se em algum verso, apropria-te dele, serão seus para sempre.
Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.
Pablo Neruda
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
A massacrante felicidade dos outros
Recebi esse texto da querida amiga Ani Paludo e agora compartilho aqui. Nunca gostei muito dos escritos da Martha Medeiros, mas a ideia desse parece tratar de um sentimento que a todos já deve ter tocado, ainda que de mansinho. Se bem que deve-se sempre duvidar da fidelidade autoral de textos recebidos pela internet...de qualquer forma não importa!
A massacrante felicidade dos outros...
Há no ar um certo queixume sem razões muito claras. Converso com mulheres que estão entre os 40 e 60 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e, ainda assim, elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem isso?Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: 'Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento'. Passei minha adolescência com a mesma sensação de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho...As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas... Então, fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando, na verdade, a festa lá fora não está tão animada assim! 4Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma.Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.Prá consumo externo, todos são belos, sexy, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores, enfim, campeões em tudo! Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia - e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta: 'Nesta era de exaltação de celebridades - reais e inventadas - fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça.' Mas tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia...Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé?Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista. As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento...
Martha Medeiros
terça-feira, 24 de novembro de 2009
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
O túnel encantado
Acariciando nossos dragões com Warat
domingo, 22 de novembro de 2009
Cruas palavras do amigo e poeta Pedro Fonseca
Diga-me a novidade da vez
sábado, 21 de novembro de 2009
O pus fedorento dos fanáticos
Catalepsias de amor
Diferente do imaginado e do que havia sido,
foi um fim protocolar.
Em verdade não tinham,
em momento algum, sido protocolares.
Enganava-se ele,
ou mesmo ambos,
pelo erro corrente de todos:
pensar-se especial.
Todos sempre caem na mesma trampa.
E nada mais do que
pela qualidade anestésica do amor.
A armadilha ferrava com intelectuais e meliantes.
A cura, então, só foi possível
com pílulas no instante do choque,
e com repaginação, essa, passada a pancada.
Repaginar – pensava – era a solução.
Resolveu então organizar as lembranças.
Tinha como certo que cada amor vivido e passado,
merecia um pomposo funeral.
Sempre condicionado por ser ou não ser amor.
Não fosse, devia ser jogado aos porcos,
isso se restasse algum corpo para contar a história.
Se nem corpo restasse, simplesmente,
apagava-se a luz e dormia-se.
Mas tendo sido esse um amor,
contemplado estava a provar o rito de passagem.
Merecia seu espaço no subsolo da alma,
ou noutro sítio sagrado, individualizado e definido.
Definiu o armário para tanto.
E aquele morto amor, agora passaria a dividir
um espaço eterno com
as tralhas, as bugigangas e outros amores defuntos.
Assim tinha sido com outros ensaios de amor.
Aquele lhe parecia, porém, ter um cariz notável.
Mas bem não podia assim determinar,
pois ainda estava embebido por ele.
E as cabeças más sempre suspeitavam que
não havia neutralidade para se falar de defuntos vivos.
Havia uma lenda que contava que algumas pessoas,
ainda que parecessem mortas,
seguiam a encher os pulmões de ar no seu próprio velório.
Lenda ou catalepsia, não importava.
Fato é que havia um ar naquele funeral.
Assim, não tinha legitimidade para falar
de uma morte tão duvidosa quanto esta,
pois lhe parecia que o defunto lhe escutava
mesmo quando pensava baixinho em completa solidão.
Mesmo assim, resolvera enterrar,
aquele amor que, em verdade,
eram agora tudo isto:
as fotos, com e sem recados no anverso,
as bijuterias sem par,
as tarrachinhas desencontradas,
as peças de roupa com bolinha,
também as peças íntimas furtadas dolosamente,
os escritos todos, desde os bilhetes sem propósito
até as cartas obrigatórias das datas obrigatórias,
as entradas de cinema esquecidas no bolso,
as entradas de um show de jazz franco-americano,
e o que mais restava,
conservasse ou não o cheiro primeiro.
Tudo isso com as lembranças imateriais e sem corpo,
constituíam o corpo-mor de um amor declaradamente morto.
Morto pela imprensa oficial e pelos anúncios dos jornais.
Para alguns desses corpos de amor morto um envelope bastava.
Outros requeriam uma caixa de bombons.
Os demais, algum grande baú ou coisa parecida.
E nunca tivera por aquelas redondezas,
nenhuma morte de amor de baús.
E as pensava quão dolorosa seriam.
Reuniu os fragmentos desse posfácio
numa caixa que antes guardava uma camisa sem cor.
Seria o bastante para o presente caso.
Não representava nenhuma pequeneza,
mas apenas a prematuridade daquilo tudo.
Estranhamente,
o corpo não cheirava mal,
e a caixa de camisas foi a única que não entrou
no armário reservado para organizar as lembranças!
E ninguém nunca soube se a culpa tinha sido
do coveiro, da caixa de camisas, do defunto ou do armário.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Vinícius é um existencialista
Eis os confrontos entre o idealismo romântico e o existencialismo fortemente passional do poetinha. O existencial é um humanismo sentimental. Vinícius é (quem se atreve a verbalizar no passado em relação à ele?)seu próprio existencial. O existencial é sempre mais bêbado, pois espera a pureza do espírito. É mais dionisíaco, sem ser autodestrutível. É mais sincero, pois se expõe à intempérie. Enquanto a saudade do idealista se esgota nos enleios imaginários da consciência, a saudade do existencial é o cheiro vivo resgatado pela memória. O existencialista respeita não por preservação do outro, mas por sinceridade ideológica com a própria sensibilidade que sona em cantigas cifradas pelos inconscientes em contato. O existencial tem a coragem de duelar com o destino, desdenha-o. Faz sonhar de pálpebras abertas e aceitar sem projeções fantasiosas. Permite o toque que sente os pêlos em arrepio. É a rotina dos lábios que experimenta os sais dos suores. Que faz sentir o mundo de artérias e veias do outro em ação. Que espera manutenção, sem decepções tolas em busca do invisível essencial. O ideal é suicídio, o existencial é tolerância. Conforta as certezas que a maturidade relacional traz. Percebe, acima de tudo, a raridade ínfima e episódica dos encontros mágicos das almas.
Novas descobertas científicas, velha amizade sem ciência!
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Manoel de Barros: poeta das instabilidades semânticas
"No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar nãoFunciona para cor, mas para som.Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta,que é a voz. De fazer nascimentos -O verbo tem que pegar delírio."
Poeta da geração de 45, ao mesmo tempo, primitivo e moderno no trato com a linguagem, surge como rei das instabilidades semânticas, pois delira os verbos, delira as palavras. Manoel descoisifica o homem à luz de borboletas, de lagartixas. Diria que mais sente do que pensa. Acha possível sentir um homem simples nesse mundo de ser não mais ser, homem não mais homem. Sua inspiração? O pantanal. Universaliza-o. Troca frases gramaticalmente corretas pela desordem semântica da natureza. Faz do homem formiga. Transforma o ter em ser. Fusiona ser e natureza. Manoel crê na poesia como ocupação da palavra pela imagem, ocupação da imagem pelo ser. Vê nas riquezas do ínfimo o cerne para tornar o homem líquido. Na mistura dos sentidos, no orgasmo das palavras afirma que "a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso". Crê na primitividade do homem, onde “ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno". Explora os mistérios irracionais na toca do inútil, na toca do nada. Diz “exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. explorar os mistérios irracionais.”. Adora o escrever com lápis. A cada apontar, desvela os nascimentos nominais. A cada mexer das mãos, dos dedos, transforma papel em ser e ser em papel. Diz que noventa por cento do que escreve é invenção. Só dez por certo é mentira. Impossível entender poesias. Razão não serve. É preciso sentir. Sentir é preciso. Poetas não têm compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança. A rebeldia da escrita encarna seu ser. Normas, regras não existem. Existem delírios apofânticos, os sentidos de liberdade vindos de Arthur Rimbaud, na sua “Une Saison en Enfer”.
Poeta reconhecido internacionalmente como um dos mais originais e importantes do Brasil, Manoel busca, na natureza, a renovação do homem. Guimarães Rosa tinha os textos de Manoel como doces de coco. Antonio Houaiss o tinha como poeta das riquezas ínfimas “na humildade diante das coisas. (...) Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor". Ganhador de diversos prêmios como o Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, Manoel torna-se imortal poeticamente. Dentre suas principais obras publicadas no Brasil, estão: Poemas concebidos sem pecado (1937), Livro de pré-coisas (1985), Concerto a céu aberto para solos de aves (1991), O Livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001) e Poemas rupestres (2004). Além disso, Manoel possui obras publicadas em Portugal, França e Espanha.
Concito-vos a (re)visitar a obra de Manoel de Barros!! Enfim, um pouquinho de Manoel faz bem ao ser não mais ser, homem não mais homem, desse mundo moderno dominado pela razão absoluta.
Lispector no teatro
TEATRO ADULTO
O espetáculo é um olhar sobre a vida e a obra da escritora Clarice Lispector. No monólogo adaptado,dirigido e estrelado por Beth Goulart, a atriz propõe uma conversa entre a autora e o público. A narrativa convida a platéia a refletir-se nos espelhos em que a escritora ora oculta, ora expõe os detalhes da sua personalidade.
Texto: Clarice Lispector
Adaptação e Direção: Beth Goulart
Supervisão: Amir Haddad
Interpretação: Beth Goulart
Classificação etária: 12 anos
Duração do espetáculo: 60 min
Horário: 20 h
19 e 20/11 – Passo Fundo
Local: Teatro do SESC
Ingressos: R$ 30,00 - Público em geral
R$ 20,00 - Empresários com cartão SESC
R$ 15,00 - Estudantes e idosos com identificaçãoR$ 5,00 - Comerciário com cartão SESC
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Pensando com a própria cabeça...
domingo, 15 de novembro de 2009
Perplexidades
Os embates religiosos são exemplo privilegiado disso: no afã de querer impor crenças de um grupo a outro, muito sangue hidratou o triste chão da Terra. Esse sangue que hidrata a Terra não faz nada dela brotar. Nunca fez, desde as Cruzadas até as torres mortas de Nova York. Também a política – que não deixa de ser uma crença ideológica como a religião – sofre dessa insuficiência de tolerância. Lembremos da Palestina, das guerras civis na África, das crianças da Bósnia. Vítimas todas da mais pura intolerância, da incapacidade de relevar.
O microcosmo relacional repete a mecânica maior e comete os mesmos equívocos. Algum filósofo moderno disse que poderia não concordar com nada do que seu debatedor falasse, mas morreria defendendo o direito de dizê-lo. Transformando em cólera qualquer divergência conceitual, continuamos guerreando, esquecendo do feminino atributo da complacência, do perdão e do afeto. É mais fácil aceitar quem tem a mesma cor de pele, quem transa com o mesmo sexo, quem tem o mesmo tom nos ouvidos e os mesmos personagens conceituais na cabeça. E continuamos perdendo para o eterno desafio de respeitar a diferença. O feminino, de fato, ainda está doente na nossa cultura. Continuamos agindo como répteis masculinizados, mesmo sendo mamíferos: ou brigamos ou fugimos. Por que escutar o outro se os preconceitos já o definiram dentro do meu imaginário? As pessoas são para nós o raso daquilo que nós pensamos delas.
Como curar a intolerância sendo ela imanente ao ser humano? Adaptando-se. Pronto. Afinal, não se deve falar tudo que se pensa como dizem nossos avós. Daqui a um tempo se incorporará em todos os currículos acadêmicos as artes cênicas. Deverão ser estudadas durante todo o curso, seja lá qual for. Assim, todos serão dotados de alta capacidade de representação. Poderão maquiar sua individualidade, ser e pensar outra coisa sempre que um outro intolerante aparecer com garras afiadas na sua frente. Também se incorporará ao Código Civil e ao Penal a insuficiência cênica: sem dolo, o transgressor incorrerá em multa mais pagamento de perdas e danos; com dolo o transgressor será julgado, excluído da convivência com a família e amigos, recluso em algum lugar fechado ou sanatório, tal qual fizeram com Sade que revelava seus sórdidos desejos sexuais aos quatro ventos com seu tinteiro e sua pena...Sade não sabia que era preciso ser ator e se adaptar ao meio para não morrer num quarto de hospício. Me incluo nos comentários e me alio às fraquezas humanas, mas sigo perplexo, completamente perplexo! Tanto tem os cachorros e as cadelas a nos ensinar...
sábado, 14 de novembro de 2009
Intuíamos sem saber...até que o mundo parou!
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
O conceito universal
O conceito mais simples do universo: saudade é quando você quer que alguém esteja do seu lado e, simplesmente, ela não está. Não há maior essencialidade conceitual que essa. Por isso que às coisas não lhes cabe a saudade. A saudade é dos analfabetos que não sabem se a palavra que lhe corresponde se trata de uma oxítona ou de uma paroxítona, se é uma metonímia ou outra porcaria gramatical. Que importa isso ao saudoso? A saudade é dos idiotas, dos autistas e dos loucos, dos encastelados e dos livres, dos cachorros e dos asnos, dos mendigos e dos cientistas, dos mais românticos Romeus e dos indiferentes escondidos em seu próprio sentir. Por isso, a saudade é um fim em si mesmo: se sente e se tem. Não custa nada, não carece de requisitos herméticos, não espera nada. A saudade é humilde sem ser prosaica. A saudade é humilde, é humilde, é humilde. É o que podemos entender no universo que não entendemos. É o conceito mais humilde do universo essa tal saudade.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Quando Freud e Jung voltam a transar
Essa semana participei de um encontro fílmico composto, em sua maioria, por psicanalistas. Esses encontros como se sabe, utilizam o enredo de uma produção cinematográfica para, a partir de então, extrair interpretações associadas à corrente científica dos seus comentadores. Assim, a depender da reunião, psicanalistas lançam o olhar psicanalítico sobre o filme, os sociólogos utilizam os aportes da sociologia, os juristas o olhar jurídico e por ai vai. O exercício por si só, é completamente producente, visto que não parte do abstratismo teórico costumeiro que, em regra, sai do abstrato para buscar amparo no existencial. A mecânica combate, assim, os vícios pedagógicos e a dificuldade de se apre(e)nder sem exemplificações, como ocorre na fossilizada concepção pedagógica da academia e que dificulta que a massa cinzenta se movimente sem os "exemplos práticos".
Ainda assim, este não é um comentário sobre novas pedagogias nem mesmo um comentário direcionado ao filme - um tocante drama que trata sobre o trauma de uma mulher violentada e que possibilita excelentes elucubrações. O filme se chama A vida secreta das palavras, e fica aqui a dica aos curiosos. O que faço é um metacomentário. Um comentário sobre os comentários desenvolvidos depois que os créditos do filme atravessaram a tela. Em voga, pois, algumas divergências doutrinais – ainda que tanto nauseante seja essa verduga palavra – que ganharam vida. Obviamente que o discurso era psicanalítico. Numa reunião em que 90% dos participantes são psicanalistas nada mais justo que se legitime o tom daquilo que a maioria conhece melhor. Ocorreria o mesmo em qualquer reunião de sectários, seja de cunho científico, religioso ou qualquer outro. Até aqui, problema nenhum.
Para que se esclareça a quem não tem familiaridade com o assunto, a “ciência” psicológica, que tem Freud como seu precursor pela descoberta do método psicanalítico, conta com pouco mais de cem anos de existência. De qualquer forma, a investigação das interioridades humanas remonta a própria história da civilização: muito antes de Freud, já se intuía sobre um plano profundo da consciência. As antigas civilizações indígenas realizavam rituais de cura por meio da obediência da linguagem daquele que detinha o poder curandeiro da tribo, bem como no período pré-medieval os mestres tribais escreviam oráculos que continham a interpretação dos sonhos. No medievo já se prenunciava a psicanálise com o próprio exercício da confissão no catolicismo: desabafar os pecados para que o poder de Deus, representado no padre com enormes dificuldades de manter a castidade com seus coroinhas, pudesse aliviar o peso do fardo moral. Na modernidade, momento de explosão do cientificismo cartesiano, Nietzsche se autodenomina como primeiro grande psicólogo da história e os filósofos românticos alemães, talvez pela primeira vez, anunciam o inconsciente por esta mesma palavrinha que ainda hoje o denominamos.
Dito isso, deve-se também esclarecer que após Freud, alguns seguidores seus deram conta de seguir com a teoria. Repita-se: seguir com os importantes desenvolvimentos teóricos de Freud. O que não se traduz, exatamente, na manutenção rígida do baluarte inabalável (nas palavras do próprio Fredu) construído por sua teoria. Entre esses seguidores estão Adler, Lacan, Carl Jung e outros. Este último, se apropriou de diversas categorias de seu mestre e fundou o que hoje se denomina de Psicologia Analítica. No debate feito depois do filme, mencionei em dado momento uma das categorias de Jung que não são aceitas pela psicanálise. Ainda que o tom doutrinário seja de completa beligerância, nunca vi a teoria de Freud como absolutamente equivocada, afinal quem seria insano de faze-lo? De qualquer forma, meu comentário realmente não foi aceito, confirmando o dispositivo científico arraigado às ilhas de racionalidade que sentenciam: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
A reação era esperada. Mas não entendi e fiquei em silêncio absorto, como me foi indicado a não misturar filosofia no meio da endeusada teoria da psicanálise, quando argumentei que era necessário um cuidado hermenêutico no momento de entificação das coisas, afinal, dizer que algo e ou não é, é sempre muito arriscado. Obviamente que essas afirmações de certeza sempre partem de premissas que se sustentam em algum lugar, feliz ou infelizmente assim tem que ser. Logo, o discurso dos psicanalistas se faz verdadeiro uma vez apoiado na teoria que os embasa. Dito de modo simples: se a premissa é freudiana, é completamente verdadeira a afirmação de que existem duas pulsões (eros e tanatos) a operar na psique humana.
Mas volto à filosofia, estranhamente negada em nossa reunião. Me disseram para deixar a filosofia fora da discussão e minutos depois me foi indicado em claro tom “pense nisso”. E talvez lá, pela primeira vez na história dos homens, tenha surgido uma nova possibilidade científica (essa que vem da ciência adulada por todo homem que ainda pensa com Descartes no colo): a possibilidade de pensar sem utilizar filosofia! Atentemos para o risco: enquanto hoje se alastra a necessidade de uma filosofia do direito, da sociologia e até das ciências médicas; em que a mesma cientificidade requerida pelos companheiros de debate coloca a filosofia como pedra angular da criação científica; a psicanálise, pela voz dos meus amigos debatedores, é ordenada a seguir alheia a qualquer aporte filosófico. Contam as línguas subversivas da ciência que Descartes, depois de ir a um puteiro e broxar com a puta que havia eleito para se deleitar naquela noite, pediu uma dose a mais da bebida que bebia, sentou e escreveu o seu Discurso do Método. Toda a “cientificidade”, inclusive esta ciência psicológica é apoiada numa disfunção erétil histórica. Se ele era um filósofo como diz a tradição, não entendo: toda a psicanálise é completamente cartesiana e, portanto, filosófica! Ademais, duvido eu que o próprio Freud não tenha lido Nietzsche! Que grande pensador não o leu? Ademais, sem entrar nas já sabidas críticas substancias da psicanálise, deve-se dizer que há hoje um forte eco sistêmico que aponta para a desconstrução do paradigma científico-racional. Não há novidade nisso! Logo, se se quer manter o discurso “estritamente científico” como ontem escutei, é necessário, pelo menos, pensar (com ou sem filosofia), que o paradigma mudou ainda no século passado. Ao que parece os postulados da pós-modernidade ainda não tocaram a psicanálise. Mesmo tendo Freud desenvolvido a teoria da psique humana sobre os aportes da física newtoniana, esta vencida pela teoria da relatividade de Einsteen, segue-se sem abrir os olhos para este desvio histórica da ciência.
Me foi indicado, além de que não utilizasse a filosofia, que respeitasse as verdades extraídas da vasta experiência clínica daqueles que lá estavam. Sinceramente: o tom forte do “disso sei eu” pareceu a tentativa de imposição da verdade por meio da imposição paternalista, tão antiga e viva em nossa cultura. Se não se herdou do pai, numa dessas pode até ser algum arquétipo que esteja a atuar baixinho e fugidio, afinal, essa imposição pelo poder hierárquico já é relatada no Gênesis da bíblia quando Deus impõe a Adão e Eva que fiquem afastados da árvore do conhecimento do bem e do mal. Parece que desobedecer a psicanálise é provar do fruto envenenado da serpente e conhecer o mal, o oculto e tudo aquilo que repelimos simplesmente por não conhecer, na velha trava misoneísta que faz a evolução ser tão lenta. De qualquer forma, não por uma pseudo-obediência hierárquica, dei o devido respeito ao comentário. Se tem algo que deve ser respeitado, verdadeiramente, é a experiência. Ainda mais quando não se tem muitos anos para colocar nas cartas do jogo. Não há como negar a legitimidade da experiência, talvez ela seja a única que tenha autoridade para enunciar em qualquer campo de observação. Disso não há dúvida. E repito: respeito muito a experiência! Ingenieros – que talvez, desastrosamente, foi filósofo e psicólogo já que não se deve misturar muito as coisas – anunciava: Aproximando-se de formas de expressão cada vez mais exatas, os futuros filósofos deixarão para os poetas o maravilhoso privilégio de usar a linguagem figurada; e os sistemas futuros, desprendendo-se de antigos resíduos místicos e dialéticos,usarão pouco a pouco a Experiência como fundamento de toda hipótese legítima. Da mesma forma que respeito, aceito e acredito no êxito clínico extraído dos psicanalistas e de sua vasta experiência. O que não posso, é desconsiderar êxitos que escolheram itinerários diversos para curar e ter sucesso. Também os analistas junguianos relatam incontáveis casos de êxito com seus pacientes por um caminho completamente diverso da psicanálise. Afinal, nos reportemos à poesia – que talvez também não possa ser misturada com psicanálise – nas palavras de Antonio Machado: caminante no hay camino, el camino se hace al andar.
Dito isso, volta-se para a filosofia e especialmente para Gadamer que em 1960 escreve Verdade e Método. Gadamer faz ironia com o próprio título de sua obra, indicando a superação da filosofia da consciência racional da modernidade pelo paradigma da linguagem quando Heidegger promove o que se conhece por viragem lingüística. A partir de Gadamer, ou adota-se um método, seja ele qual for, ou se encontra a verdade. Não há nenhum método preestabelecido para que se possa tocar a verdade (ainda que seja um tema deveras exaustivo). Respondeu o querido Warat quando perguntado por seu interlocutor sobre qual o método a ser utilizado na mediação: “Que método você usa para trepar?”. Assim como não podemos trepar com o kama sutra embaixo do braço – seria impossível ler e lamber ao mesmo tempo os locais indicados na doutrina do prazer –, não podemos pensar ortodoxamente que existe um método único para a terapia e tratamento dos náuseas da alma, espírito, inconsciente ou coisa que o valha. Não há, portanto, um método. E muita gente teve que pensar para chegar a essa singela conclusão. Com isso não se está a afirmar que o caminho usado pela psicanálise não possa ser exitoso. Tenho certeza que que pode render bons frutos em termos de cura e autoconhecimento. Mas apenas pode! De qualquer forma lembro de Pessoa que dizia com outras palavras que nunca tinha visto ninguém contar em alto tom suas derrotas, vai ver pela força cultural do pai, que não pode abrir mão da armadura e se ver publicamente fragilizado.
Copérnico, Darwin, Sade e tantos outros negados e até queimados por seus contemporâneos. Tidos por loucos. Esse é o problema de pensar além do conhecimento sedimentado. Esse é o mal de vencer o misoneísmo. É por isso que a criatividade é medrosa. A evolução prematura nunca é compreendida no tempo que nasce. Talvez - e apenas talvez, caso contrário incorreria eu no mesmo engano psicanalista - seja isso que ocorra com Jung...como é difícil abandonar as certezas do pai (seja ele o da psicanálise ou aquele que as vezes nos apurrinha a vida em casa). Como é difícil negar o modelo, não é mesmo meus caros freudianos...? Os delimito por vossa própria imposição e, por isso, faço questão de não ser chamado de junguiano.
O caminho da psicanálise é um. Apenas um. E seu problema reside na imposição e não aceitação de qualquer coisa que esteja fora de sua ilha imaginária de sentido. Outros milhões de caminhos podem haver para que se chegue no mesmo lugar, ainda mais quando se tem um cérebro tão limitado a operar nos nossos “crânios científicos”. Basta que se pense – com filosofia tanto melhor – e se esteja aberto à possibilidade que vem da alteridade. Ninguém pensou em fazer uma matéria chamada filosofia psicológica? Cairia bem! Bem demais.
Mas talvez essas palavras já tenham nascido mortas. Talvez mereçam ser abandonadas. Podem ser uma síncope frustrada de um inexperiente que, na verdura de seus vinte e poucos anos, nunca curou e muito menos tratou ninguém além do seu peixinho de aquário. Um serzinho que ganha comida para compensar a solidão de seu pequeno mundo e que esporadicamente habita uma bacia de plástico quando é preciso trocar sua água. Esse meu peixinho tem um grande trauma que se dá pelo fato do aquário ser de vidro: ainda que ele possa enxergar o mundo ao seu redor sempre bate a cabeça quando tenta ultrapassar os limites do seu mundo. Por essa desventura aprisionante do mundo aquático é que, de vez em quando, bato um papo com o meu peixinho para aliviar suas tensões, exatamente como manda a ciência dos peixes de aquário...
A morte da geração silicone
terça-feira, 10 de novembro de 2009
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
domingo, 8 de novembro de 2009
As cores das paisagens distantes
Estás certa, como não haveria de estar! Em alguns tempos é preciso estar afeita ao cinema, ao teatro e à literatura das terras de lá e de longe. É necessária alguma loucura, algum pedaço de fruta sem nome e um olhar além da fronteira. Estás certa! Sim, estás certa, como não haveria de estar. Tens mesmo é que sentir os cheiros novos, ver se o arrepio dos pêlos, o frio e as nuvens são iguais aos que já conhecias. Provar o gosto da longitude. Enxergar os olhares tristes dos animais que aí sofrem, sabendo que antes é preciso olhar para as gentes. Alternar tua alteridade. Enxergar-se e mudar-se. Nesses tempos é preciso olhar o que nem a luz pode iluminar. É preciso se encontrar sozinha no vão do escuro. Ver o claro que existe quando se acendem as interioridades. Tens que saber ser sensível e também amortecer a consciência. Podes até queimar, desde que aguardes o tempo rei a fazer cura do ardor. Tens que viver dos poetas. Do lirismo. Dos versos. Do sereno bucólico das flores. Tens que não esquecer que é preciso desprender-se dos deveres e casar com teus quereres. Por isso tudo estás certa, como não haveria de estar! E depois, com o aplauso ensurdecedor de duas mãos em contato, terás que me contar que cores têm os arco-íris que teus olhos doces enxergam entre essas montanhas.
* Pintura de Amedeo Modigliani (1884-1920)
O direito de sonhar por Eduardo Galeano
Aunque no podemos adivinar el tiempo que será, sí que tenemos, al menos, el derecho de imaginar el que queremos que sea. En 1948 y en 1976, las Naciones Unidas proclamaron extensas listas de derechos humanos; pero la inmensa mayoría de la humanidad no tiene más que el derecho de ver, oír y callar. ¿Qué tal si empezamos a ejercer el jamás proclamado derecho de soñar? ¿Qué tal si deliramos, por un ratito? Vamos a clavar los ojos más allá de la infamia, para adivinar otro mundo posible:
el aire estará limpio de todo veneno que no venga de los miedos humanos y de las humanas pasiones;
en las calles, los automóviles serán aplastados por los perros;
la gente no será manejada por el automóvil, ni será programada por la computadora, ni será comprada por el supermercado, ni será mirada por el televisor;
el televisor dejará de ser el miembro más importante de la familia, y será tratado como la plancha o el lavarropas;
la gente trabajará para vivir, en lugar de vivir para trabajar;
se incorporará a los códigos penales el delito de estupidez, que cometen quienes viven por tener o por ganar, en vez de vivir por vivir nomás, como canta el pájaro sin saber que canta y como juega el niño sin saber que juega;
en ningún país irán presos los muchachos que se nieguen a cumplir el servicio militar, sino los que quieran cumplirlo;
los economistas no llamarán nivel de vida al nivel de consumo, ni llamarán calidad de vida a la cantidad de cosas;
los cocineros no creerán que a las langostas les encanta que las hiervan vivas;
los historiadores no creerán que a los países les encanta ser invadidos;
los políticos no creerán que a los pobres les encanta comer promesas;
la solemnidad se dejará de creer que es una virtud, y nadie tomará en serio a nadie que no sea capaz de tomarse el pelo;
la muerte y el dinero perderán sus mágicos poderes, y ni por defunción ni por fortuna se convertirá el canalla en virtuoso caballero;
nadie será considerado héroe ni tonto por hacer lo que cree justo en lugar de hacer lo que más le conviene;
el mundo ya no estará en guerra contra los pobres, sino contra la pobreza, y la industria militar no tendrá más remedio que declararse en quiebra;
la comida no será una mercancía, ni la comunicación un negocio, porque la comida y la comunicación son derechos humanos;
nadie morirá de hambre, porque nadie morirá de indigestión;
los niños de la calle no serán tratados como si fueran basura, porque no habrá niños de la calle;
los niños ricos no serán tratados como si fueran dinero, porque no habrá niños ricos;
la educación no será el privilegio de quienes puedan pagarla;
la policía no será la maldición de quienes no puedan comprarla;
la justicia y la libertad, hermanas siamesas condenadas a vivir separadas, volverán a juntarse, bien pegaditas, espalda contra espalda;
una mujer, negra, será presidenta de Brasil y otra mujer, negra, será presidenta de los Estados Unidos de América; una mujer india gobernará Guatemala y otra, Perú;
en Argentina, las locas de Plaza de Mayo serán un ejemplo de salud mental, porque ellas se negaron a olvidar en los tiempos de la amnesia obligatoria;
la Santa Madre Iglesia corregirá las erratas de las tablas de Moisés, y el sexto mandamiento ordenará festejar el cuerpo;
la Iglesia también dictará otro mandamiento, que se le había olvidado a Dios: «Amarás a la naturaleza, de la que formas parte»;
serán reforestados los desiertos del mundo y los desiertos del alma;
los desesperados serán esperados y los perdidos serán encontrados, porque ellos son los que se desesperaron de tanto esperar y los que se perdieron de tanto buscar;
seremos compatriotas y contemporáneos de todos los que tengan voluntad de justicia y voluntad de belleza, hayan nacido donde hayan nacido y hayan vivido cuando hayan vivido, sin que importen ni un poquito las fronteras del mapa o del tiempo;
la perfección seguirá siendo el aburrido privilegio de los dioses; pero en este mundo chambón y jodido, cada noche será vivida como si fuera la última y cada día como si fuera el primero.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Versos litorâneos de agosto
São mesmo os compromissos, tais?
Me explode agora essa intriga.
Mais essas vaguidades de fundo!
Eis que a tarde é minha’miga
mesmo sendo vazia de mundo.
Inebriado por sensíveis sensações,
passeio entredragões e angélicas.
Ao deixar minhas verdes razões,
lembro putas baratas, famélicas.
Do amor recordo a saudade!
Entre uma ou outra nota,
recupero a minha verdade.
Também me lembro das tetas,
que tanto apraziam olhar.
O calor daquelas gavetas,
é que me faziam iluminar.
Agora desabafo a sinceridade:
essa benção não pago à vista.
No cartão das minhas profundidades,
mantenho uma metade mal vista
Nas muletas que me escoram,
vivo a vida que mais preciso.
Na aurora da minha história,
transito entre Geraldo ou Chico,
Traio a sociedade que
me espera no pódio de ouro.
Num furtivo encontro violado,
esqueço do plano vindouro.
Seguido me abate a ausência de tom,
umas falhas seqüenciais.
Um bemol ou sustenido
gaguejam versos mananciais.
No desafino daqueles minutos,
vivo-me mesmo assim.
Abobalhado nos meus acordes fajutos,
vou passeando sobre mim.
E esta música bonitinha,
faz o que espero da tarde.
A altaneira crueza minha,
requer que se aumente a alteridade.
E faço dos compromissos de antes
a maldição que arranca e me arde.
Me sigo a ouvir,
ao iniciar da nova cena.
Enquanto esse episódio morre,
conto outra verdade, uma pena.
Agora sou um vencedor.
Meu terno é alinhado.
Meu relógio reluz ao sol,
meu cabelo é bem tratado
A cara grave de um si bemol,
completam meu personagem.
Aquela tarde era adulto-infantil,
Burocraticamente, pura bobagem.
E meus anos mais belos
nessa cadeira macia,
nesse ambiente notável,
repleto de vidas vazias.
Me relacionando com uma tela de luz,
agora a todos sou palatável.
Sou cúmplice da sociedade,
com a alma quase amputável.
Logo traio,
esse solitário ganha-dor que ora sou.
Sem morrer me desmaio;
suplicando a emoção que restou.
Venci a onda que nos leva ou ela a mim?
Comi ela no rabo ou fui antes castrado?
Estava perdido...paradoxos...enfim...?
Vivo vivia, no meu violão desafinado...
A noite cai na paisagem.
Os vidros que viam até o mar,
refletem o fantasma: minha imagem.
E volto às interioridades, a pensar.
Inexato nesta outra paragem,
saio a trotar pela cidade que flerto.
A justeza dos meus passos
na garoa desse chuvoso deserto.
O terno vencedor se vai encharcando,
com a mesma lentidão da chuva.
Meu instinto segue flutuando
nas marquises que andam em curva.
Ensaio meu teatro decente,
que permanece a se aproximar.
Do violão me sinto carente,
tal qual das tardes a fornicar.
Quando a água alcançar a carcaça,
estarei na casa que não é minha.
Anestesiado nuns goles de cachaça.
Dormirei esta vida mesquinha.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
e q u i l í b r i o e q u i l i b r a d o
Psicologia social por Gloria Kalil...
Algumas imagens valem mais que palavras. Ainda mais quando se tem uma filósofa do quilate da Gloria Kalil para comentar o caso! Estar fora da "moda" parece que vai ser causa de aumento de pena para o crime de falta de noção ao vestir-se...E seguimos assim: enxergando apenas a carcaça, a massa encastelada segue a pensar que seu ver é totalizante (o vestido vermelho é a sentença sobre a carcaça bruta de algo que sequer sabem ou podem ver); pensando que podem ver, chegam a pensar que pensam, estes asnos do rebanho...E você Gloria, vai tomar um capuccino com chantily no São Paulo Fashion Week que é mais tua cara!
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
No prelo
Poesias encomendadas
Apaixonei primeiro pelo nome,
depois de Maria.
Casei com o sonho,
projetando o que viria.
O regozijo veio antes
que o gozar de Maria.
Pensei nossos filhos
enquanto ela nem me conhecia.
O sono da noite pelas manhãs.
Inda'ssim deleguei cupidos vãos,
a testar de Maria.
Acabei sem notar,
o nó górdio que me envolvia.
Prematuramente,
já provava Maria.
Ela de mim inconsciente,
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Tormentos de fim de ano...
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Saudade viva no dia dos mortos
Entrealmaspenadas,
segues nua a respirar.
Se meu caminho
fosse ao leito - a prantar,
casaria com a certeza,
suplantando meu esgar.
Levar-te-ia tulipas, margaridas ou jasmins;
viçosos no túmulo a te agradar.
Enquanto rezam para os mortos,
tenho que viver sem te tocar.
domingo, 1 de novembro de 2009
Mude-se de você mesmo
Muda-se muito em três anos e dois meses. Há três anos e dois meses li o Budapeste do Chico. Hoje vi o filme da adaptação. E porque muda-se muito em três anos e dois meses, esvaiu-se entre os dedos - com a mesma rapidez de um sorvete nesses insuportáveis dias de verão -, a velha certeza clichê de que os livros são sempre melhores que os filmes. Esses que contam a mesma história dos livros em imagens não imaginárias. Todo mundo sabe que a possibilidade de criação imaginária faz o livro ser o que de melhor há em que o lê. Melhor que os filmes, portanto. Se produz ambientes, gentes e cheiros; tudo ao gosto do cliente. Mas, deveras, essa lógica pode ser revertida quando o leitor deixa de ser quem foi outrora. Três anos e dois meses depois, já não se é quem se era. Quem julgar falsa essa premissa: pobre inconsciente!
Budapeste é um roteiro em que circundam sobre o tema da linguagem, reconhecimento e, mais no fundo, ignorância. Serão mesmo os escritores que acabam cegos? O grande risco de firmar uma posição é a de que ela pode estar equivocada. Com essa certeza na cabeça nada mais razoável que o silêncio em exatamente tudo...ou então as onomatopéias...
Enquanto Vanda queria ver reconhecido os dotes literários do marido, que escrevia biografias para terceiros sem levar nenhum louro por isso, Costa queria morbidamente que nada em casa faltasse. Sendo ele a mente iluminada, não conseguia fazer com que seus próprios adjetivos atingissem a vaidade da esposa: única, intacta, intraduzível. Se partissem de sua boca seriam escarros de gripe suína. No andamento normal das coisas, Costa é que deveria estar no palco e nos jornais. Mas assim não era. Escrever era um ofício que não devia trazer o reconhecimento de um bom escritor, mas apenas sustento. Afinal, o dinheiro, a bufunfa, o faz-me-rir, não deveria, por si só, trazer reconhecimento para quem os leva na algibeira virtual das contas-correntes? Assim que funciona muito antes da derrota filosófica de Marx. O mundo abre alas para quem tem brilho nos bolsos ainda que carregue dias nublados na alma. Isso que se chama pobreza de espírito não faz diferença alguma. Esses pobretões continuam a usar o elevador social, a pisar no estrado alto da ala vip, a limpar a bunda com cheirinho de lavanda. Essa episodica pobreza não lhes tira o lugar de destaque. Mas tudo bem! Falta tanto para que se vejam essas incogruências, que vamos estar todos frios na terra quando essa consciência se banalizar.
Costa o escritor, pela mente de Chico, escancara pela analogia do idioma que não sabemos porcaria nenhuma. Nada de nada. A incomunicabilidade pela ignorância de um idioma, num mundinho tão pequeno dentro do universo, é um bom jeito de perceber que não sabemos absolutamente nada. E essa sentença vale também aos poliglotas e seu admirável dom da compreensão plural. Como curar essa ignorância universal? Essa de não saber quase nada? Resposta: abraçando a ignorância cega do amor! Pra que descobrir alguma coisa, falar dez idiomas ou escrever livros se se está em paz com o amor? E aqui peço desculpas públicas e parciais aos ceguinhos do castelo!!
O mesmo amor que amortece a ignorância generalizada, também faz sarar até a incomunicabilidade de quem fala português e húngaro. Os sussurros de amor de Kriska eram universais, tal qual os gemidos e o ranger de dentes. Tudo volta a ser tão complicadamente simples. O amor não carece de linguagem. O amor não pede sequer um "eu te amo". O amor só é no silêncio dos gemidos brutos. Na parte mais vazia da linguagem, no instante mais animal do humano. E todos esses livros, reconhecidos ou não, viram farelo diante das onomatopéias do amor. Em Budapeste descobri que persona, o que Jung bem chamou de máscara da psique, tem origem em per sonare, justamente uma máscara que permite que apenas o som a atravesse pela fenda na altura da boca. Assim, o que é expresso em palavras pode estar em conflito com o que a máscara esconde ou representa...Com as onomatopéias do amor, talvez, se dê o genuíno momento em que se está mais próximo da pureza que só é plena em solidão. Quando em sussurros encontra-se no outro o amor, caem-se as máscaras, penetram-se os olhares. Nesse vago instante, homem e mulher podem se descobrir em um só. Reconhecidos plenamente não pelos livros que venderam, nem pelo dinheiro que carregam, nem pelos corpos que levam suas almas, nem pelos seus nomes nos jornais. Se reconhecem nos efêmeros estados do amor. Ela branca, bela e crua. Ele mais pálido por ela. Esses estados, porém, não se repetem. Muda-se muito em três anos e dois meses. Há três anos e dois meses não lembro o que eu era.