sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Aforismos em direção à autonomia - 1





A solitude nos faz reis, enquanto a solidão nos faz escravos. E entre o trono e a chibata, estão os que caminham. Os caminhantes repousam suas canseiras em busca de reabastecimento, abrigo e conselhos. São os conselhos, travestidos de mote para o diálogo, a coordenada para a solitude. São nas pousadas da estrada que os caminhantes abastecem as suas direções, recuperando a força das pernas e redefinindo o traçado de seus itinerários. A pousada é o grande Outro em que o viajante encontra cama, sopa, fogo para a roda de prosa e para o frio da noite, afinal, é da natureza do encontro que haja alguma espécie de calor. A doçura de estar só é o cajado daquele que caminha em direção ao seu próprio coroamento. A solitude é um balançar na rede, no interstício de um sono já quase sem vigília: é quando podemos esticar as vistas sobre o amplo de nós, no entreato de extremos que vai da falsa plenitude dos sentidos até a invasão das sensações íntimas. Sem o estorvo da mirada alheia, promovemos os seminários necessários com todos os que nos habitam. Ejaculamos para dentro, semeando o diálogo facilitado pelo silêncio. A longa semeadura dentro da própria consciência depende deste solo livre de influências imediatas, desta terra recém afagada pelo outro, mas livre de sua presença. A sensação de solidão tem algo de amargo, algo de ausente, algo que corta os pulsos do espírito. Os que caminham de mãos dadas com a solidão, caminham em direção ao estado do diminuto, do verme, da partícula, como um Benjamin Button que nasce velho e faz mal uso do tempo para  remoçar. É preciso que o tempo nos envelheça, que nos faça vincos de sabedoria no espírito, que controle a ânsia pelo outro como completude em direção ao outro como compartilhamento. É preciso que a estrada do tempo cubra de pó os nossos sapatos para que possamos indagar a necessidade deles na caminhada. O anti-fluxo do tempo cobra um imposto caro. A necessidade imperiosa do outro como definidor dos sentidos revela a insuficiência de si-mesmo. Se o outro constitui, por meio do diálogo tácito ou expresso, qual espelho do mundo, nossa identidade, é no silêncio de depois da dialética, no sono profundo, na quietude colorida do sonho, que integramos à consciência os passos que devemos pisar em direção ao trono da autonomia.  

sábado, 22 de dezembro de 2012

ODE INCA




Do alto,
de onde se pode perceber que a terra é grande,
mesmo que se mantenha pequena se pudéssemos subir um pouco mais,
há de se ver a pequeneza dos detalhes terrenos.

Filho do céu,
entre o céu,
em direção ao céu,
sento-me sobre a montanha.

A fumaça circunda o cimo,
mostrando que até Deus ainda não deixou de fumar.
Há mais coisas na fumaça que caminha em direção ao alto,
do que nas pedras incas que deixaram a fama subir à cabeça
 e agora vivem de fazer pose para as máquinas fotográficas.

Empilho as pedras,
todas elas ricas em equilíbrio depois de equilibradas por mim.
O sol segue arrogante,
marcando um meio dia de dias antes de um fim de mundo que vai acabar,
mas só pela metade.
Ele o sol, faz nexo entre eu e o impossível.
Então caminho pela ponte temerosa porque sei do jardim onde vivem os que já não esperam.

Noutro cimo outros dois homens conversam:
de quê haverão de falar dentro deste silêncio tão cheio,
sendo a sabedoria a experiência dos que aquietam?

O fecho da doutrina do silêncio não poderá ser escrito,
assim como as formigas não poderão descer até o pé do monte.
É preciso muita impossibilidade para  que o sol nasça a cada dia.

Embaixo ou em cima, pouco muda àquele que vive por caminhar sem ver.
Mas eu ainda não sou,
nem nunca serei qualquer coisa além de carteiro dos deuses,
porque o que sei,
se resume a pensar de olhos fechados...
enquanto todas as formigas da terra carregam seus pesos,
e juntam suas folhas, e se organizam em equipe, e se comunicam pelas antenas.

Na minha casa eu caço formigas -
porque da minha casa elas não pertencem.
Aqui no alto, agora, vivo a revanche.
Se lá elas levam pedaços do meu bolo de chocolate,
eu, aqui do vale sagrado latino,
trago meu coração para pulsar neste terreno formigueiro sem nenhuma autorização.
Com sangue quente, e carne humana.
Contemplo, aquieto e sinto para encontrar outros sangue-quente,
embaixo desta bruma que é o país onde vivo com as formigas.