segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Ditaduras invisíveis



Menininhas siliconadas com cabecinha-bandeja-para-petiscos-com-azeitona. Garotões narcisitas de academia viciados em espelho. Prestem atenção, todos vocês, porque a senhora do vídeo abaixo consegue entendê-los e, por isso, eu, perdoá-los. Eu sei que minha simpatia é pouca, mas é que a liberdade sem nome que sonho precisa, antes, de entendimento. Tenho que entender os mistérios do abismo para depois saltar pelado nele. Digo pelado porque pelado é sempre mais livre, mais produtivo. Só pelados podemos sentir-nos verdadeiramente seguros. (Agora entendi a razão dos naturistas que andam com o saco balançando pra lá e pra cá). Tenhamos o bodie que for, estar pelado é sempre a condição mais pura do sentimento de segurança. Estamos querendo ser o que não somos (corpo e todo o resto) porque existe o Hitler invisível nos condenando à morte simbólica do não pertencimento. Eu apanho bastante ainda. Sou torturado diariamente. Me sinto quase como a Ingrid Betancourt escrava das FARC, mesmo podendo dormir numa cama box.
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Por isso é que meu diletantismo é maior com a expressão da linguagem e menor com a expressão (e a necessidade pobrezinha) dos corpos recipientes de merda. Que a verdade possa chegar antes da velhice. E que, quando vier, não precise chegar pedindo desculpas, ela que não tem culpa de nada... A velhice e toda a pelanca que teremos será, se bem quista, a vitória sobre a vida e o começo do abraço doce e delicioso da morte.




http://globonews.globo.com/platb/milenio/?s=bodies

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

asrespostas



Escondo as respostas.
Porque gosto de procurá-las.
Dizem que o importante são as perguntas, mentira.
É preciso esconder as respostas.
Porque elas são sempre óbvias, com a mínima atenção que se ponha.
Perguntar é um delírio quando já sabemos as respostas.
E sempre sabemos!
Eu sei, mas escondo-as.
Antes eu brincava de ficar escondido dos outros.
E pensava que os lugares explícitos seriam menos óbvios:
ficar disfarçado de chão num amontoado de almofadas.
Agora brinco com minhas decisões,
escondo as decisões que me cabem bem na frente do meu nariz.
Planto informações a um palmo de distância dos meus olhos, artificialmente.
Fui um guri de apartamento.
Prefiro o sintético, o feito, o manipulado, o mexido,mesmo sabendo que a única pureza possível é a que brota da terra virgem.
Nem sei se quero a pureza virgem.
Talvez não me sirva pra nada.
Quero a pureza?
Vou esconder a resposta que já caiu aqui no meu colo,
fazê-la um rato corredor do esgoto escuro perseguido por um gato gordo e maligno. Eu.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Gemido do cão




O cachorrinho ia esganiçado na coleira. Querendo dar mais passos do que o limite da coleira permitia. Ele patinhava, roçando as unhas no chão de concreto bruto. O filho da puta silvava, esganiçado, com o diabo no corpo. Lembrei da menina do Exorcista, mas ele ainda não pertencia ao inferno porque não girava a cabeça em 360 graus. Latia como uma mulher em trabalho de parto, bem na hora em que está saindo a cabeça da criança, que deve ser dose de elefante misturada com dose de cavalo. Sinto dó das mulheres que tem que parir naturalmente. Um parto pode ter ares divinos, mas a dor deve ser infernal. Senti pena da cadela que pariu aquela aberraçãozinha doméstica da natureza. O cachorrinho idiota queria atravessar a rua. Não tinha noção do perigo. Se fosse atropelado eu aplaudiria. Gosto dos cachorros assim como gosto das pessoas, mas em alguns casos é melhor que nem existam. Ele latia um latido estridente, insuportável, contínuo. Íamos na mesma direção, o que sepultava minhas esperanças. O dono tinha uma cara de tapado. E recém tinha saído da cama. Devia estar de férias. Provável que tivesse levantado da cama exclusivamente pra levar aquela porcaria de cachorro pra mijar. Depois iria voltar pro ronco eterno da felicidade, até o meio dia. Eram 8 horas de uma manhã que era o fim de uma noite mal dormida. A dor de cabeça era do tipo minhocas: minhocas remoendo minha massa encefálica como se fosse terra úmida. Minha panturrilha ainda está se acostumando com o salto maldito do sapato social. O cachorro parecia que ia infartar, berrava e gemia sem parar. Parecia ter orgasmos múltiplos de ver a rua. Eu ganhava alguns metros de distância enquanto ele largava jatos de mijo pelas rodas dos carros estacionados. Achei que o cachorro pudesse estar vendo um fantasma, tamanha a gritaria tresloucada. Dizem que alguns animais podem ver espíritos, provável que esse visse. Era cedo, mas já devia estar uns bons 25 graus embaixo do meu agradável terno de lã quente (não existe lã que possa ser fria no verão tropical do Brasil). O dono do cachorro bocejou. Estava com a camisa do pijama que não tapava toda a barriga esquizofrênica que ele tinha. O cachorro continuava gritando e querendo correr sabe-se lá pra onde, talvez quisesse mesmo o suicídio por não aguentar aquele dono gordo. Comecei a entender o cachorro, mas com os gritos repetidos, voltei a não entender mais. Nunca gostei de armas de fogo. Melhor assim.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Globalitarismo



As metas estão nos matando.
Mataremos as metas ou elas a nós?
Demos de marcha ré meus caros convivas!
Meia volta, volver!
Mas sem marchar que isso é coisa dos militares filhos da puta.
Filhos da puta escondidos sob o manto sagrado da disciplina.
Mas se até Jesus,
que pelo que consta nos anais da história foi mesmo gente,
se até (E-ou-e?)le foi um indisciplinado,
porque deveriam os militares ocupar o lugar da verdade sob a falsa chancela da ordem?
Demos de marcha ré,
mas só se quisermos mesmo viver.
Vejo vendedores fantasmagóricos.
Vendendo à gentes-fantasma.
Vendem um nada para um ninguém.
Mas se vendem, vendem mais 1,
Que somado a mais outro,
Amontoam-se com uma pouca meia dúzia de poucos,
(que quase sempre são pobres e chatos além da conta),
(se é que me entendem).
Poucos mesmo, lá um que outro,
e olhe lá...
Alguém com capacidade de vender
nasce pra oprimir alguém sem capacidade de vender.
A verdade é vender.
E nos neutralizamos?
Ah, não sejamos bestas ambulantes,
pensando que ainda respeitam-se os papéis.
RECHAÇAM-SE os papéis!
E quando falo papéis quero dizer DESTINO.
Sou da corja de verdugos.
Sou aquele que não pôde.
E todos ficamos de papéis trocados,
assim duplicados,
certos apenas de um talvez,
que é o que, talvez, poderíamos não ser.
A tortura está virando gente grande, evoluindo,
enfiando o instrumento de metal quente nas nossas feridas mais invisíveis.
Estamos sendo apedrejados,
como se as pedras tivessem a leveza de uma flor.
E gritamos com sorrisos, tentando vender tudo quanto é porcaria.
Gritar com sorrisos, já pensaram nisso?


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ficar como tatuagem




A divindade da poesia do Chico sobre a união dos corpos e das almas que não podem, senão afixadas, grudadas, trançadas, conectadas, afiveladas; continuar respirando. A tatuagem imperiosa das peles, que faz do toque uma condição, do roçar uma sensação bendita, de dois calores um sol, do tato das línguas saliva una. Coisas que apenas inundações de feminilidade podem contar aos ouvidos do mundo. O mistério é um menino que nasceu do sexo entre duas mulheres, a vida e a morte. Só quando as feminilidades encontram-se é que nascem coisas incomensuráveis como o universo, o inconsciente, o fundo do mar, um talho entreaberto, um caminho de escura textura e cálido perfume. As fêmeas são a condição de todo mistério. E o paradoxal é que as lésbicas não geram nada além de orgasmos mútos. E o intrigante é que a Monalisa deixa no ar que era um Monaliso, com aqueles peitos escondidos, sem silicone e aquele riso que chama de imbecil cada turista idiota que visita o Louvre e não entende que ela se ri dos idiotas que não entendem o porque do riso. A eternidade está além de tudo isso. O eterno mora além dos lados da moeda. Quantas mensagens subliminares morrerão incompreendidas? Sigam duvidando e tropeçando no fio do próprio bigode. As flores, estas sim, são eternas. Vivem e morrem misteriosamente. Também as nuvens são eternas, mas por pertencerem ao reino dos céus, não devem ser assunto nosso. As nuvens são a única transcendência possível aos olhos, a prova aos que duvidam que seja possível atravessar coisas que parecem tão grandes e espessas. As especulações apenas morrem, porque querem entender. Entender é morrer. Por isso é preciso fazer com que as flores terrenas - e também os que pensam por portarem olhos - tenham a propriedade de transcender e alcançar a graça das nuvens.

Palavrar - Fernando


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

explícitasreticências





Quando nos encontrarmos
- e será tão loguinho que já agora tudo é céu -,
estaremos somando nossos 4 pés na areia,
em frente da divindade do mar,
quando a tarde estiver pronta pra dormir
e o sol, no lugar que sempre deve estar.
A brisa vai ser como deve ser,
E o mar num ritmo bom para nos acalentar.
O universo todo, então, no devido lugar.
Outra vez.

Reticências explícitas pululavam.
E quando, entrementes, caminharam,
o universo todo deu voltas imensas até sabe-se lá onde.
Eles sabiam tudo.
Tudo que acontecia.
Tudo que os envolvia.
Até que o tudo não era assim grande coisa.
Sabiam e saberiam.
(Saber antecipadamente é o sêmen do destino.)
E o destino,
eles tinham na palma das 4 mãos que tinham.
Eram andróginos sem saber, depois, logo rápido, souberam.
Coisas rápidas são matéria das sensações,
não do entendimento.
Mas entenderam, sentindo,
que vinham ambos do mesmo lugar
e que por isso pertenciam um ao outro.
Assim como entenderam, sentindo,
o lugar que o sol deveria estar quando estacionou na pele do mundo,
a brisa mansa do fim das tardes que silvava,
o ritmo adocicado do mar,
Mais todo resto deles antes usurpado.

O cordão cortou-se,
assim efemeramente,
e não por efêmero que fosse,
evitou-se o choro.
Que era manso e tristonho,
porque tristonho não é tão triste quanto o triste.
Mas, visto que de lágrimas se faz um choro,
havia uma tristezinha necessária a se enfrentar.
O afeto que transitava a conta-gotas,
transbordou no balde da existência que os envolvia,
assim num repente.
As estrelas explodiram,
mas nem noite ainda era.
Havia uma união distante, invisível.
Havia um cordão feito de aço,
E quem sabe só Deus soubesse como desfazê-lo.
Deus estava metido na história.
Talvez observando.
Ou rindo-se docemente,
como o Buda feliz da vida que tenho em cima da mesa lá em casa,
mostrando que para encontrar Deus,
é preciso encontrar-se.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Visita à Casa do Poeta




CASA DO POETA. Essa foi a inscrição que li numa placa de madeira cruzando as ruas de Timbó, uma cidadezinha de Santa Catarina. Comecei a seguir as placas. Casa do poeta? Em Timbó? Não que tenha havido qualquer desprezo à cidade, mas poesia, aonde quer que seja, chama minha atenção. Em geral, as pessoas querem que a poesia vá pro espaço. Não se interessam por nada que não tenha praticidade. Poesia serve pra quê? E esquece-se de, pelo menos, cogitar em revolver as premissas que constroem seus próprios conceitos de praticidade. Mas não há como determinar culpados, ninguém é obrigado a gostar de nada. Falo de forma bem sincera.

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Era apenas mais uma cidade do interior, com olhares curiosos sobre os forasteiros, ruas limpas e vidas compartilhadas e vigiadas entre a consciência de todos. A vida no interior é mais mansa e mais escrava. Mais mansa porque ainda é possível escutar os pios dos pássaros. Mais escrava porque todos estão agrilhoados a todos outros. Quanto menor a cidade, mais despótico é o grande Outro, tomando emprestada a expressão de Lacan. O grande Outro é aquela voz imaginária que sussurra em nossos ouvidos “...mas...o que os outros vão pensar?”. Viver para os outros é uma merda absoluta se essa for uma regra absoluta. Nessas cidades menores é assim: todo mundo conhece o fedor de todo mundo. Falo com o magistério de quem já morou em Casca, uma cidade com uma italianada cheia de certezas e mortos de medo de decepcionar os vizinhos, ainda que tivessem que tolher as próprias vidas. Vão morrer pensando que estavam certos. Quem tem sobrenome europeu acha isso uma grande vantagem. Vão à merda com isso. A vida é um jogo de xadrez com apenas um cara movimentando as peças. O grande Outro joga com as peças pretas e brancas, a seu bel prazer. Esse tal grande Outro é apenas um novo nome de batismo da velha moral, essa que com certeza já ferrou pelo menos uma vezinha os desejos de todo mundo...

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Seja como for, a vida nas cidades maiores é também uma merda. Talvez seja menos porcaria que nas pequenas, mas apenas talvez. Ao passo que se pode passar a perna no grande Outro com mais facilidade e, por conta disso, sentir-se mais livre, as cidades com gente empoleirada são caóticas e cruéis. Para os pobres é uma desgraça. Para os ricos uma insegurança. Resumindo: não temos pra onde fugir.

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Cheguei à Casa do Poeta. O poeta em questão era Lindolf Bell. Nunca tinha ouvido falar do cara. Já morreu. Melhor pra ele. Se não voltou é sinal que as cidades aonde ele vive são menos tirânicas e mais espaçosas. Fiquei impressionado com a aura da casa. Era um alívio estar ali. Tudo recheado de verde e ao mesmo tempo sem os mosquitos infernais. A natureza só não é divina porque existem os borrachudos chupando nosso sangue. Lá na tal Casa do Poeta eles estavam de férias. Havia flores e calmas. Coisas vagarosas. Formigas preguiçosas que não picam ninguém. Até a brisa era vagabunda e soprava com lentidão. Enchi os pulmões de brisa vagabunda. Que tesão vagabundo. Poético. Uma sensação de estar-com a natureza. Ser ela ao mesmo tempo em que eu era eu. Mas tinha aquele terno e aquele sapato maldito. Com o mini salto maldito. Entrei e uma secretária com seus 48 anos me atendeu. Assisti um vídeo chatíssimo sobre a vida e obra do tal Lindolf Bell. O cara atirava poesias dentro de uma garrafa nos rios e tirava fotos para registrar, vai ver deixava as poesias ruins pra jogar no rio. Depois entrei nos cômodos. Tinha fotos do L. Bell com Clarice Lispector e com Mario Quintana. Camisas puídas e armários antigos. Nenhum fantasma. Quinquilharias. A secretária era atenciosa. Devia viver numa boa trabalhando ali.

Comecei a escrever isso no ano passado e acabei esquecendo as sensações que tive quando visitei a Casa do tal Poeta. É as sensações são como eclipse, é preciso estar presente para sentir. E como é preciso sentir pra escrever, vou parando por aqui.



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sobre o pau e coisas grandes que ficam fora da cueca



Dizer que o pau é pequeno está na moda. A frase chega cheia de mistério ao ouvido feminino. É como se criássemos, antecipada e efemeramente, a mesma sensação de mistério que sentimos quando estamos diante da porta mágica delas, essa que esconde os mais indizíveis segredos da vida. Digo efemeramente porque quando homem baixa a cueca... babáu, tem que se virar com a porcaria que tem. De qualquer forma, chegar ao ponto de ter que tirar a cueca, por si só, já é bom sinal. Pelo menos se ela não começar a rir ou inventar uma saída abrupta dizendo que a mãe se engasgou com um caroço de azeitona.


Dizer que o pau é pequeno se constitui como um charme irresistível, afinal, elas adoram mais a coragem de dizer o que ninguém diz, do que o tamanho do pau propriamente (tomara). Mexe naqueles anseios primtivos sobre homens fortes e opulentos das cavernas. Hoje que existem apartamentos no lugar das cavernas, ser forte é dizer verdades escondidas, nem que um pedaço da verdade fique fora da cueca. Se ela perceber os complementos do pau que estão fora da cueca, sinal que não é apenas uma vampira querendo chupar sangue masculino. É preciso DIZER meus amigos, DIZER que o pau é PEQUENO. Seja verdade, seja mentira, seja 15 centímentros.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poema da concentração


Que pensam todos esses que caminham pelas calçadas?
(Irão talvez sem culpa de sentir que sentem...)
Que segredos íntimos habitam suas casas?
(E pode que os segredos guardados sejam uma senhora anciã que chacoalha as pelancas numa cadeira de balanço, estando sem estar, de tão pobre de gracejo de se ver que já é – segredos velhos enfiados em um mundo novíssimo, como tratá-los?)
Que gemidos roucos sussurram todas essas mulheres nos quartos de úmida intimidade?
(Gemem prazeres que acabam, afinal, acabam e com isso havemos de nos conformar enquanto formos privados do abraço quente da morte).
Sentirão de verdade as gotas que escorrem por entre suas entranhas?
(Mas se a condição de toda gota é estar entre os vácuos da terra, então há que se delirar – e conformar-se – com a rota das gotas na cruzada até o seio da grande Gaia, sepultura escura dos movimentos)

Não ser impossibilita-me de sentir todas as coisas.
E por não ser absolutamente nada,
nem mesmo qualquer coisa absoluta como o nunca,
plasmo. Plasmo sei lá onde.
Seremos, por simplesmente sermos,
mendazes para com tudo que nos é próprio?
E se o universo nos for propriedade legítima,
ínfimo instante da claridade absoluta,
teremos ganhado então,
a grande mentira,
a única capaz de ensinar a volúpia da verdade?

Estrelas escrevem desenhos que eu sequer posso antever,
banham de ingenuidade minha cabeça crivada de sensações.
Sou o menino. Sou um menino.
Sou uma flor sem vento.
Sou o jardim todo, de poucos.
Mas virá a tortuosidade do inverno.
E contra ele não poderei.
E não podendo,
já antes de ser morto pela geada que queima sem ser fogo,
já não serei.
Sou um menino. O que vomita na jangada.
Das terras do nunca e do nunca mais.
E se a mim o emetismo evitasse, aonde me levaria a jangada?
Talvez me reserve o nunca mais,
além da última marca da última bota no último pedaço de terra...
Farejo que os mundos além da marca da bota última estão também ali,
na cabeça incessante dos que passam (mesmo que não pensem nas marcas finais),
e também logo ali, na cabeça dos seus cachorros encoleirados.
Quê pensam os cachorros na coleira dos donos que eu também não sei o que pensam?
Capaz de farejarem por seus donos.

E é exatamente isso que troco por todo esse tugúrio que me contém.
Sim, as copas das árvores que não são minhas me banham de sombra até a hora do banho das estrelas que não sei onde moram e que piscam, como a blefar sua própria existência.
Minha casa é fora dela.
Essa de ossos e tijolos.
Essa minha árvore,
de vastíssima sombra e frondosa ramagem,
leito formado por terra e tronco aonde apoio de noite o que não sustento de dia.
Pobre mansarda que me contém. Pobre tolo de mim.
Pobres tolos também esses que pensam sem saber que podem pelas calçadas,
esquecendo que depois da última gota – de vômito – nada mais há que se vomitar.
O manah de existir escafedeu-se. E pra onde?
Alimentemo-nos, agora, então, e me digam os deuses todos até quando, de quê?
Se nem sabemos de que fome exatamente se trata nossa angústia.
Enquanto isso, sorrisos. Salvadores talvez.

sábado, 8 de janeiro de 2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Pessimismo


Escuto com certa frequencia que sou pessimista. Um recente grande amigo comentou que o pessimismo da poesia não é o mesmo pessimismo das ruas. Se ambos os pessimismos se aproximam da morte, então, a diferença do pessimismo que toca a poesia é que lida com a morte com a normalidade de uma caminhada na praia em dia de férias. Tirar férias morando na praia é como transar com ex-namorada, é melhor ainda. Parece que a vida de quem mora na praia é um grande quindim. E é.

Dizem que sou pessimista, que escrevo pessimismos, abismos e outros ismos que esqueci. Eu TENHO que ser alguma coisa, então! Puta merda! Esse necessidade de SER me aborrece. Porque, meu senhor que morreu na cruz para nos salvar, porque tenho que ser alguma coisa? Escrever é coisa de gente aborrecida. Alegria demais não escreve porque não pára para tanto. Eu estaciono. E quem estaciona e não exprime, deprime. É uma tábua em alto mar. A Clarice entendia das coisas pra dizer que escrever é uma salvação. Movo-me por dentro como se estivesse dentro de uma piscina, ainda que de fora pareça uma barata tonta cheia de veneno nos olhos. Se sou aborrecido não sei. Me aborreço com frequencia, mas não sei se a ponto de ser um aborrecido. Prefiro não ter que me batizar, mas vira e mexe batizo os outros. Isso é um vício que ninguém escapa. Talvez os caras que ficam peidando e meditando no alto das montanhas sem comer porcaria nenhuma. Ainda vou subir até um deles em alguma montanha pra aprender como eles fazem pra não comer. Mas a existência dessa gente é despropositada. Só cuidam do próprio rabo.

Aqui embaixo das montanhas estamos nessa coisa animal de batizar os outros e de os outros nos batizarem. Por isso fica fácil de concluir que somos quase nada, pra não dizer uma grande merda que fala, fornica e fede. Vou tentar passar um dia inteiro sem batizar ninguém de nada: não batizar de filho da puta o motorista, não batizar de rabugenta minha síndica (aliás, temos reunião dia 15 de janeiro, se alguém quiser passo uma procuração), não batizar de gostosa uma bunda gostosa, não batizar de alegre quem sorri, de estranho aquele imbecil que não fomos com a cara. Vou tentar, só pra ver no que dá. Provável que não dê em porra nenhuma. Se sou pessimista, então sou. Ponto. Não se enganem achando que vocês são o que pensam que são. Somos o que os olhos dos outros resolvem ver. Como pessimista, quero que o mundo exploda, nem que seja de alegria.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

ovo ovo ovo, viva o ano novo





Até dezembro que vem?
Com os mesmos fogos coloridos?
A mesma pança estufada de comidas e cervejas?
Paciência nossa de cada dia que tivermos que levantar sem vontade,
derramai seus respingos sobre todos nós. Amém.
Não pensem que sou pessimista porque não sou nada.
Não me venham com batismos.
E depois do dezembro que virá, virá um outro e outro e outro.
Outro ainda. O calendário é totalitário.
Até o dezembro em que estaremos salvos, se é que existem outros lados da moeda.
Meu silêncio foi consumido, o frangão de natal também.
Agora virá o mesmo correr dos meses com suas trágédias e comédias.
Com personagens diferentes ou mesmo os mesmos.
Fiquem alertas porque nada vai acontecer.
Um deslizamento de terra. Gente passando fome.
Gente cuspindo filé mignon para os cachorros.
Pobres insatisfeitos e sorrindo.
Ricos insatisfeitos e sorrindo.
Todos na mesma vala.
Amores rompidos. Falências. Dores de barriga. Filhos abortados.
Comidas apodrecendo na geladeira e nos estômagos.
Ejaculações precoces. Alergias e verdadeiras alegrias.
Esperança renovada com a bebedeira e tudo mais.
Vou comer mais pipoca salgada e mais coca cola gelada
com mais esse ano circense que começa.